segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Liberdade de imprensa x princípio da presunção de inocência


Haja vista que a Constituição Federal de 1988 foi forjada nos moldes do medo da repressão. Uma considerável parcela do ordenamento jurídico atual é consequência dos abusos cometidos durante a ditadura militar no Brasil.

Como forma de impor os necessários limites aos poderes estatais, os direitos fundamentais constituem um eficiente sistema que protege os direitos dos cidadãos.

Por outro lado, nenhum direito fundamental é absoluto, de maneira que cada um deles pode e deve ser relativizado ao chocar-se com outro direito fundamental.

Artigo na íntegra abaixo:
De acordo com a vertente jurídica há colisão de direitos fundamentais quando o exercício de um direito por parte de seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular, destacando ainda que não se trata de um cruzamento ou acumulação de direitos, mas um choque, um autêntico conflito de direitos.

Alguns desses direitos constantemente colidem entre si, como é o caso da liberdade de imprensa com relação ao princípio da presunção de inocência.

No decorrer da história os acusados de cometer crimes foram tratados como culpados durante todo o processo penal, estando assim desprovido de qualquer direito. Nesse contexto nasceu o Princípio da Presunção de Inocência, consistindo num verdadeiro escudo contra eventuais abusos estatais.

Seguindo a mesma linha, reza a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”

Trata-se este princípio de um mecanismo que visa podar os abusos estatais em desfavor dos réus ou acusados em processos e procedimentos criminais.

Conforme Alexandre de Moraes (MORAES, 2003):

“O princípio da presunção de inocência consubstancia-se, portanto, no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença judicial com trânsito em julgado, ao término do devido processo legal (dueprocessoflaw), em que o acusado pôde utilizar-se de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pelo acusador (contraditório).”

Não obstante, existe atualmente uma excessiva proteção ao direito à liberdade de imprensa, em detrimento do princípio da presunção de inocência, que por diversas vezes é ignorado pela mídia ao transmitir a notícia de forma tendenciosa, sem poupar o investigado das consequências que uma condenação moral pode trazer.

Com o nascimento da Constituição Federal de 1988, foi assegurada no Brasil a liberdade de pensamento, de expressão, de culto, assim como a liberdade de imprensa. Tais foram instituídas como direitos fundamentais, visando impedir o cerceamento por parte do Estado da circulação e do acesso às informações.
Conforme afirmam diz o doutrinador Flávio Prates :

 “Cumpre observar que o direito de informar, ou ainda, a liberdade de imprensa, leva à possibilidade de noticiar fatos, que devem ser narrados de maneira imparcial. A notícia deve corresponder aos fatos, de forma exata e factível para que seja verdadeira, sem a intenção de formar nesse receptor uma opinião errônea de determinado fato. O compromisso com a verdade dos fatos que a mídia deve ter vincula-se com a exigência de uma informação completa, para que se evitem conclusões precipitadas e distorcidas acerca de determinado acontecimento”.

Desta feita, não há mais a possibilidade de censura, uma vez que a imprensa livre constitui verdadeiro meio de defesa das liberdades e dos direitos dos cidadãos.

Porém, podem ser nitidamente observados diversos abusos cometidos pela mídia, que parece se sentir imune à punição estatal diante dos excessos. Como prova disso, podemos citar o famoso caso da Escola Base. Em março de 1994, um grupo de pessoas foi acusado de molestar sexualmente as crianças de uma escola situada no bairro de Aclimação, em São Paulo. Entre elas estão Maria Aparecida e Ayres Shimada (os donos da escola), juntamente com o motorista da Kombi que transportava as crianças, e ainda os sócios Paula e Maurício Alvarenga. A notícia crime partiu de duas mães, Lúcia que que notaram um comportamento estranho por parte dos filhos. Estas acionaram a imprensa após o cumprimento de um mandato de busca e apreensão, onde o delegado responsável pelo caso não encontrou prova alguma da culpa dos investigados. Em pouco tempo os meios de comunicação haviam condenados os acusados, levando toda a opinião pública consigo. Uma série de erros cometidos pelas autoridades policiais envolvidas e pela mídia culminou em uma condenação moral dos acusados por parte da população. Ao final da investigação policial, constatou-se que os investigados eram inocentes. A imprensa, por sua vez, não noticiou da forma correta, tendo apenas informado que os investigados foram inocentados por falta de prova, em notas mínimas se comparadas ao grande destaque dado às acusações.

As consequências desses atos foram irreparáveis e as vítimas jamais foram capazes de voltar à sua rotina normal. Alguns deles encontram-se falidos financeiramente, outros tiveram seus casamentos destruídos diante do abalo emocional causado.

As autoridades policiais e o Estado de São Paulo, juntamente com alguns dos meios de comunicação envolvidos, foram condenados ao pagamento de indenização às vítimas da condenação precipitada, porém tais danos foram incalculáveis em prejuízos sociais e psicológicos.

É de bom alvitre salientar que o Ministro Celso de Mello, relator do referido processo de indenização do caso Escola Base, discorreu acerca dos limites da liberdade de informação jornalística, em ocasião de seu voto (AI 496406 SP):

“A Constituição da República, embora garanta o exercício da liberdade de informação jornalística, impõe-lhe, no entanto, como requisito legitimados de sua prática, a necessária observância de parâmetros – dentre os quais avultam, por seu relevo, os direitos da personalidade – expressamente referidos no próprio texto constitucional (CF, art. 220, §1º), cabendo, ao Poder Judiciário, mediante ponderada avaliação das prerrogativas constitucionais em conflito (direito de informar, de um lado, e direitos da personalidade, de outro), definir, em cada situação ocorrente, uma vez configurado esse contexto de tensão dialética, a liberdade que deve prevalecer no caso concreto”.

O fato é que a imprensa, na maioria das vezes, informa a notícia de maneira totalmente parcial, fazendo um juízo de valor que conduz a população ao ódio contra os acusados, sem ao menos lhes proporcionar a chance de defesa e sem a certeza da culpa.

Não podemos desconsiderar o papel fundamental que a mídia possui no Estado Democrático de Direito, constituindo esta um verdadeiro painel onde se pode denunciar sem medo a violência, a corrupção e os escândalos dos mais diversos tipos. Por outro lado, os abusos cometidos violam as prerrogativas de pessoas que, sendo inocentes ou culpadas, têm o direito de ser consideradas culpadas somente após o devido trânsito em julgado. Isso tem prejudicado não só os causados, mas sim famílias inteiras, e não podemos nos conformar com o pagamento de uma simples indenização. É preciso fazer mais! O poder de influência da imprensa é gigantesco, e por conta disso ela também deve se submeter às regras do Direito Brasileiro, respeitando assim a intimidade e a vida privada das pessoas, sem esquecer-se do direito a ser presumido inocente até que haja sentença com decisão final. É preciso que o Estado aja evitando que casos como o da Escola Base se repitam no Brasil. A mídia precisa de um controle e não de uma censura, mas deve ser algo que impeça os excessos sem pôr uma mordaça nos meios de comunicação que são de suma importância para sociedade.

É fundamental para a solução deste conflito de direitos que haja um controle mais incisivo do Judiciário e do Ministério Público, impondo limite aos excessos e garantindo o direito de resposta na mesma medida do agravo, cumprindo assim o artigo 5º, inciso V da Constituição Federal, a saber:

“V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou a imagem.”

Dizer que tudo isso faz parte do preço que se paga por viver em uma grande democracia é se conformar com uma democracia medíocre! O governo do Povo pode e deve ser aperfeiçoado, na medida em que a experiência vai revelando suas defasagens.

Não se pode presumir a autoria de um crime, por mais convincentes que sejam as provas, pois até que haja uma sentença condenatória transitada em julgado, o acusado/réu é inocente, valendo prevalecer o princípio-repetimos- “ in dubio por reo”.

LUIS ANTONIO DA SILVA FILHO- Advogado militante no DF, especialista em direito processual civil, trabalhista, administrativo, gestão pública, direito público, eleitoral e pós graduando em Direito empresarial.

DiamanteOnline

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