sexta-feira, 19 de agosto de 2011

QUEM QUER OUVIR MARIA RITA?







Quem quer ouvir Maria Rita?





Rossandro Klinjey





Certo. Não dá pra dizer que só porque o show de Maria Rita foi cancelado por falta de procura temos o direito de dizer que as pessoas são incultas ou que o forró de plástico, que lota as casas de show, é a prova inconteste da pobreza cultural do nosso tempo. Esse discurso pode parecer elitista e arrogante para muita gente, mas confesso, às vezes é difícil pensar diferente.








É bom lembrar que a MPB era um tipo de música mais elaborada e poética, que comprar um toca discos era coisa de classe média, que por ter um nível educacional melhor pautava as gravadoras e os programas de TV. O resto da população ouvia a música brega nas rádios, nos postais sonoros da vida. Com o barateamento dos toca CDs e da popularização da pirataria ocorreu uma banalização e comercialização da arte musical, que por isso mesmo perde cada vez mais suas característica para se tornar um produto igual e previsível. A música dominante em nosso país virou uma espécie de franquia, e como tal é a mesma em todo lugar, com letra pobre e melodia ruim.








Bem, deu para perceber até aqui que eu terminei sendo preconceituoso, eu assumo, mas ser politicamente correto muitas vezes é ser omisso com a realidade, e ela nem sempre agrada a todos.








Hoje temos que nos esquecer de músicas denúncia como “enquanto os homens exercem seus podres poderes”, espirituais do tipo “se eu quiser falar com Deus tenho que ficar a sós”, reflexivas como “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”, poéticas no estilo “viestes com a cara e a coragem, com mala, viagem, pra dentro de mim”, porque fomos descendo ladeira abaixo na “boquinha da garrafa” e nossas questões mais essenciais deixaram de ser “ser ou não ser”, sendo substituídas por uma afirmação mais prosaica do tipo “você não vale nada, mas eu gosto de você, tudo que eu queria era saber por que”





É isso! Muita música que não vale nada, mas que as pessoas “aprenderam a gostar” sem saber o porquê. Mas, Freud explica.








Porque não são cantores com a necessária liberdade criativa, são funcionários, com salário fixo, mais comissões por festa, operários de donos de banda que só tem compromisso com uma coisa, o lucro.





Porque não estamos mais em um regime de exceção política com intelectuais exilados, deixando aos compositores o papel de denunciadores da ditadura.








Porque tudo fica cada vez mais descartável, pois se na geração do “fica” as pessoas são trocadas como objetos, imagine a música!








Porque ouvir Maria Rita dá trabalho, teria que ter legenda para muita gente. (Eita! Peguei pesado. Essa foi horrível, faz de conta que você não leu. Pule essa parte. Fica só entre nós. Não espalha!)








Porque com o volume de álcool com que essa geração vai aos shows, pode se bater em qualquer lata, dar qualquer virada na bateria, que a maioria delas vai achar que é música.








Porque finalmente vivemos uma democracia cultural, pois nesses shows todas as classes sociais se misturam num culto cego a letras vulgares que desmoralizam o lugar do gênero feminino e banalizam a sexualidade.





Um amigo me disse que foi a uma cidade participar de um evento, cujo encerramento contou com uma dessas bandas. Quando começaram a tocar, o cantar gritou uma pergunta: “tem rapariga aí?”. Para o espanto dele até a mulher do prefeito levantou a mão! E não adianta, eu não vou dizer o nome da cidade.








Então é isso. Sem Maria Rita, sem poesia, mas mantendo a esperança, afinal “...cantar (é) buscar o caminho que vai dar no sol”, pois “a esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar...”


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