sábado, 26 de maio de 2012

A correção de um erro histórico no mapa das águas, do clima e da geopolítica do Sertão

A pesquisa de 16 anos de João Eufrásio mostra o grave equívoco dos nossos livros didáticos e corrige a cartografia oficial

Por Sousa Neto/Folha do Vale 

Os livros didáticos que tratam da geografia da Paraíba e os mapas hidrográficos, climatológicos e políticos do estado caíram por terra, sucumbidos em seus próprios equívocos, a partir da pesquisa de 16 anos do funcionário público federal aposentado João Eufrásio Sobrinho, que é formado em biologia e técnico em agropecuária em nível superior. Natural de Princesa Isabel, Eufrásio realizou um trabalho mais do que importante, revolucionário para a ciência geográfica e a educação escolar.

Reconhecida e apoiada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e pela AESA (Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba), a pesquisa de João Eufrásio acarretou grande impacto na cartografia paraibana e todo o conhecimento resultante dela começou a ser impresso nos mapas oficiais do estado a partir de 2010, mas precisa chegar o quanto antes à escola para a boa formação dos nossos professores e estudantes.

O pesquisador desenvolveu três estudos paralelos: água, clima e divisão política da Paraíba, mas os resultados foram mais impactantes no Sertão, especialmente no Vale do Piancó. De forma voluntária e com seus próprios recursos, ele iniciou o trabalho em 1996 buscando, inicialmente, convencer a sociedade, as instituições e as Prefeituras regionais a apoiar a pesquisa. Foi fundamental o apoio que recebeu, por exemplo, da Amvap (Associação dos Municípios do Vale do Piancó), que oficiou aos órgãos competentes solicitando a produção de um novo estudo cartográfico, o que deu base documental para a realização do estudo.

Essa pesquisa tornou-se essencial principalmente para o Vale do Piancó, cujos recursos naturais estavam subavaliados ou, simplesmente, não apareciam nos mapas produzidos anteriormente com base em dados premeditadamente equivocados para diminuir a importância fisiográfica e política do Vale e garantir destaque à região de Cajazeiras e Sousa. Um exemplo disso é o rio Piancó, embora seja o maior do estado e responda por uma bacia hidrográfica com mais de 75% de toda a água doce da Paraíba, era tido apenas como um simples afluente do Piranhas, considerado, erroneamente, como o maior do Sertão e veia principal da única bacia sertaneja até então considerada, a do Piranhas, cuja area central é a região cajazeirense.

É importante informar que, em função de ser interestadual, nascendo na divisa entre a Paraíba e o Ceará e alcançando o Rio Grande o Norte, o rio Piancó passou a ser federal a partir da resolução 399/2004, da ANA (Agência Nacional de Águas) e oficialmente também mudou de nome: passou a se chamar rio Açu.

A mudança foi em função da descoberta de que o Piancó é a parte inicial do rio Açu, que cruza o Rio Grande do Norte e despeja no oceano Atlântico, totalizando agora, com a inclusão do nosso rio, 443,7 quilômetros de extensão, da nascente a sua foz.

Novo mapa das águas

A partir do estudo do pesquisar do João Eufrásio, a cartografia hídrica da Paraíba foi totalmente modificada. A pesquisa descobriu mais quatro grandes bacias hidrografias no estado, elevando de sete para onze o numero de bacias, todas elas descobertas no Sertão, uma das quais se tornou a maior do estado: a bacia do Piancó, que compreende 30 municípios, de Princesa Isabel a Pombal, de Santa Inês a Catingueira, e cuja grande artéria é o rio Piancó, hoje Açu, que cruza toda a bacia, totalizando quase 140 Km de extensão, da nascente até a divisa da Paraíba com o Rio Grande do Norte. Além do Piancó, a região sertaneja passou a ter mais quatro  bacias: Peixe, Alto Piranhas, Médio Piranhas e Espinharas.

Com uma área de 9,8 mil quilômetros quadrados, a bacia do Piancó acumula mais de 75% de toda a água doce da Paraíba, sendo um dos seus maiores mananciais de superfície o Coremas/Mãe D’água, com capacidade para mais de 1,2 bilhões de metros cúbicos d’água.

Essas mudanças no mapa hidrográfico já foram reconhecidas oficialmente pelo IBGE e AESA, segundo o pesquisador, e, além de estabelecerem um conhecimento verdadeiro sobre nossa natureza hídrica, também contribuem para adequar o país a Cartografia Sistemática Terrestre Básica e à resolução 399 da ANA que regula os cursos d’água existentes no pais.

Mudança climatológica

Em seus estudos, João Eufrásio também propõe uma reclassificação do clima em parte do Sertão paraibano, especialmente na bacia do Piancó. Atualmente, os livros ensinam, com base em pesquisas anteriores, que nessa área predomina o clima semiárido, mas ele contesta esse conhecimento.

Com base em seus estudos, o pesquisador está convicto de que o nosso clima é semiúmido e está determinado a escrever também um novo mapa climático para esta região.

Suas observações partem de considerações sobre o clima em municípios como Princesa Isabel, Serra Grande, Caiana e outros para considerar que toda a região, ou grande parte dela, tem um clima semiúmido e não semiárido.

Alterações no mapa geopolítico

O estudo também redimensiona os limites naturais e políticos do estado, estabelecendo mais uma mesorregião e também uma nova microrregião na Paraíba.

A nova mesorregião proposta por ele é chamada de Serra da Baixa Verde e compreende toda a área situada na bacia hidrográfica do Piancó, e dentro da qual a pesquisa também estabelece a microrregião de Princesa, que não existia.

Com a mudança, o Sertão paraibano, que antes compreendia apenas uma mesorregião, agora ganha outra, aumentando para 5 o números de mesorregiões paraibanas, que são grandes áreas formadas por microrregiões com características geofísicas, culturais e sociais homogêneas.

Mas, para serem oficializadas, tanto a mesorregião da Serra da Baixa Verde, quanto a microrregião de Princesa dependem de um decreto do Governo do Estado, e, para isso, o pesquisador já está se mobilizando. “Um dos principais objetivos da criação da mesorregião da Serra Baixa Verde é despertar o poder público para a necessidade da preservação ambiental dessa área, que abrange a maior parte da água doce do estado e que está em risco de contaminação por falta de saneamento básico nas cidades que integram a bacia do Piancó”, comentou o pesquisador durante contato com a Folha (www.folhadovali.com.br).

A pesquisa e os desafios

Conforme João Eufrásio, o estudo foi elaborado a partir de imagens de satélite e, principalmente, pesquisa de campo. Ele correu muitos quilômetros; subiu e desceu rios; percorreu muitas estradas; planícies, altitudes, matas, veredas, e garante que encontrou o caminho certo das águas. Uma longa e penosa caminhada, principalmente considerando que o pesquisar tem 86 anos, mas o pelo conhecimento e a necessidade de se restabelecer a verdade sobre o patrimônio natural do Vale são o combustível que move o estudioso.

No período da pesquisa, ele chegou a ficar doente: teve um sério problema cardíaco, mas não desistiu de luta pelo conhecimento. Um trabalho que nasceu, conforme João, principalmente pelo seu compromisso com a educação, único caminho para o desenvolvimento de qualquer sociedade, conforme Eufrásio. No entanto, diz, não é admissível que uma escola ensine uma lição equivocada sobre uma área tão importante e estratégica para a vida humana e o progresso material que são os recursos naturais.

“Nossa luta foi, principalmente, para produzir um conhecimento científico que contribuísse com a educação, mas esse conhecimento será útil também a outros setores, especialmente para o desenvolvimento de políticas públicas voltadas à preservação dos nossos recursos naturais”, enfatizou João Eufrásio, que tem dado palestras pelo país inteiro sobre o seu trabalho, principalmente em escolas e universidade, e uma das mais recentes foi no Rio Grande do Sul.

Ele morou durante muito tempo em Itaporanga, onde atuou como funcionário do Ministério da Agricultura e deu uma importante contribuição à cidade: foi João que conseguiu, atravé de suas amizades no plano federal, o registro escolar do Ginásio Diocesano, e também teve participação importante na instalação do posto regional do INSS aqui.  
Foto (www.folhadovali.com.br): João Eufrásio exibe o novo mapa hidrográfico da Paraíba, um dos primeiros resultados positivos de sua pesquisa.

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