quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Cantoria de repente: Uma arte que nasceu no Sertão Paraibano


A cantoria de viola ou de repente é certamente uma das realizações culturais do Brasil que mais representa os de origem nordestina e, é da própria cantoria, que muitas vezes são descritas as essências do Nordeste e seu Nordestino.

É um fenômeno que, para o mundo surgiu pela primeira vez no Sertão da Paraíba, em final do Século XVIII e início do XIX, precisamente na localidade que outrora se denominava Canudos, hoje cidade de Teixeira.

O Repente é o que podemos também denominar de desafio. Poesia feita e musicada na hora. Nasce da predominância do improviso, das rimas improvisadas. É tradição que, em sua origem, remetemos aos trovadores medievais, sendo tal arte, ainda hoje, praticada fortemente na região do Nordeste brasileiro.

Quanto ao REPENTISTA, este é o poeta-cantador, que de “repente” traz os seus versos ao repente, ao desafio, diz-se de quem canta o desafio acompanhado de viola.

Ao tratar sobre cantoria, deve-se ter logo em mente um nome, qual seja, o de um homem espirituoso, opinioso, Agostinho Nunes da Costa “O Velho” (1797 – 1852). Foi com Agostinho Nunes da Costa e seus filhos Antônio Ugolino Nunes da Costa, “Ugolino do Teixeira” (1832 - 1895) e Nicandro Nunes da Costa (1829 - 1918) o poeta ferreiro, que encontramos origem das primeiras cantorias no Nordeste brasileiro e que hoje é uma arte já consagrada em vários estados do Nordeste, a exemplo de Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte entre outros.

Acerca do poeta Gregório de Matos Guerra, o “Boca do Inferno” (1633 Salvador/BA - 1696 Recife/PE), não nos aprofundaremos, visto ter entendimento que o mesmo foi sim, grande cantador, mas que com toda sua maestria não detinha o dom de cantar versos de maneira improvisada, repentinamente.

Alguns confundem o nascimento da poesia com o da nossa cantoria de repente e, por isso, faz-se necessário observarmos pequenos detalhes, esclarecimentos que nos serão de fundamental importância para melhor entendimento sobre o tema que ora se apresenta. Em primeiro plano, é de se entender que não há que confundir poesia com cantoria! A poesia em si é de origem muito antiga, sendo citada desde os tempos mais remotos aos de hoje. Na Bíblia Sagrada, por exemplo, são citados personagens que eram poetas, que escreviam e recitavam poemas, a exemplo dos reis Davi e Salomão, pai e filho, sendo este último o de mais expressão nas histórias bíblicas. O rei Davi escrevia salmos que eram cantados e acompanhados por instrumentos musicais. Era o estilo de poesia lírica, poema acompanhado ao som das cordas da lira, porém mesmo, não havemos que confundir com cantoria, pois, Davi escrevia salmos com exímia, mas que com estilo diferente aos que os nossos poetas escrevem ou falam de repente seus versos. Afastando-nos um tanto da Bíblia, podemos também encontrar relatos de poesias e seus poetas em histórias mitológicas, a exemplo as da Grécia. Em segundo plano, devemos entender que a cantoria de repente é nossa, pertence à Paraíba, como já comentado acima. A cantoria de repente é sem dúvida e com entendimento pacificado entre cantadores e amantes da cantoria nascida em Teixeira. A expressão cantoria é a junção que surge dos versos feitos na hora, repentinos, “de repente” e, com o repentino cantar de tais versos, estes já são acompanhados ao som inconfundível das violas de bocas, instrumentos intrínsecos aos cantadores repentistas. Na cantoria de repente há uma característica única, qual seja, os poetas repentistas, fazem suas estrofes, só que de improviso - entenda-se a expressão improviso como sendo repente - e ao som das violas, as estrofes surgem repentinamente cantadas. Ao somarem as estrofes criam poemas. Um poema é composto por estrofes. Portanto, quem faz poema é poeta, sendo que o repentista o faz de forma cantada e musicada ao mesmo tempo, por meio da sua viola. Há na arte da cantoria de viola gêneros e regras para a sua fiel execução. Na cantoria de repente existe um debate que se é desenvolvido entre as duplas de cantadores. Outra característica que nos chama atenção na cantoria, são as vozes dos seus cantadores, são vozes semelhantes, de maneira que foge ao estilo suave que costumamos ouvir em musicas que não as de cantorias de repente.

Há poetas que fazem seus versos de maneira escrita, não os fazendo por meio do repente. Quanto a estes, não os podemos considerar poetas do repente, vez que não trazem consigo o dom que os permite trazer o verso de logo, no improviso. O poeta repentista tem que ter bom raciocínio e ser rápido no gatilho mental, para na peleja já ter de pronto sua resposta ao cantador oponente. A expressão “poetas do repente” é o que mais difere a característica do poeta cantador daqueles que apenas fazem versos tradicionais, na escrita. 

Mas, com referência ao surgimento dessa arte tão encantadora, temos a afirmar que TEIXEIRA É O ÚTERO DA CANTORIA! Essa é a frase célebre que muitas vezes é citada pelos cantadores em suas pelejas repentinas, por várias partes do nosso Brasil e, até mesmo no exterior, pois foi por meio de Agostinho Nunes da Costa “O velho”, e seus filhos, como já mencionados que, pela primeira vez no mundo, os versos feitos em REPENTE foram musicados, cantados ao som de violas. Por isso, podemos afirmar que TEIXEIRA É MÃE DA CANTORIA. Outras cidades podem sim, se denominarem “BERÇO DA CANTORIA”, mas não útero da cantoria. Quanto à expressão “BERÇO DA POESIA”, havemos que reconhecer que a expressão que muitas cidades buscam empregar em sua cultura, soa um tanto equivocada, pois a POESIA é muito mais antiga que a CANTORIA. Na cantoria há a poesia, surgida e musicada repentinamente, aos dedilhados das cordas sonoras das violas. Devemos, ainda, nos conscientizar de que as demais cidades adotaram com muito carinho a nossa cantoria, cuidando até melhor do que a nossa Teixeira.

Dos nossos cantadores, podemos citas muitos, dentre tantos, Agostinho e seus filhos, como já colocados, mas, também temos o grande Romano do Teixeira, Germano Alves de Araújo Leitão “Germano da Lagoa” (1842 - 1904), Francisco Romano Caluête “Romano da Mãe D’Água”, nascido no Sítio Mãe D’água em Teixeira (1840-1891), Bernardo Nogueira (1832 - 1895), sendo este referenciado por Câmara Cascudo como: - “Violeiro afamado, repentista invencível, mestre-de-armas sertanejo, jogando bem espada e cacete, era mais inteligente que letrado”. (Pág. 309, Vaqueiros e Cantadores), também referenciamos o poeta Pedro Amorim. Mas o nosso poeta repentista cantador que mais teve notabilidade na história da cantoria foi sem dúvida o Poeta do Absurdo, ele mesmo, ZÉ LIMEIRA, nascido no Sítio Tauá (1886 — 1954), era casado com Dona Bela. Zé Limeira é poeta estudado na França, devido à forma com que utiliza para com os seus versos, é um dos nossos poetas mitológicos.   

Dos nossos cantadores podemos citar:

Na cidade de Patos, certa vez, reuniram-se os poetas Silvino Pirauá, seu irmão José Martins, e Germano Alves de Araújo Leitão (Germano da Lagoa), nome este em virtude de ser nascido na localidade Lagoa de Dentro, Teixeira. Na ocasião deram o mote:

“Tudo são honras da casa”.

E o nosso poeta Germano da Lagoa, após ouvir o mote, fez a brincadeira:

Da casa viva a fronteira,
Calcada, quina e oitão,
Armário, baú, caixão,
Sala, corredor, traseira,
Quartinha, pires, chaleira,
E o bico por onde vaza,
Torno, pote, copo e asa,
Chinelo, botina e meia,
Caibros, pregos, ripa e teia,
Tudo são honras da casa!

Outro grande poeta teixeirense, Pedro Ferreira de Amorim, em cantoria com Manoel Chudú, onde falavam das coisas do sertão, Chudú numa imagem bem projetada fez referencias a seu talento de repentista:

Minha cerca de poesia
Nem enverga nem tem nó.

O poeta Pedro Amorim, na mesma temática, demonstrou um pouco de sua expugnável fortaleza:

A minha é de mororó,
De jurema e cipaúba;
Bode peleja e não passa,
O boi ladrão não derruba;
Não há garrote que fure,
Nem macaco que pule.

Aqui ainda posso falar um pouco do poeta José Pereira da Costa. Paraibano de Teixeira, exímio tocador de viola, quando trabalhava numa usina de algodão, perdeu um braço. Triste, relembra os áureos tempos de gloria que viveu:

Eu estou desta maneira...
Canto pra ir me entretendo!
Quem me avista, sai dizendo:
Quanto foi José Pereira!
Já toquei na regra inteira,
Para o povo marcar passo.
Hoje só resta o fracasso,
Deste triste trovador;
Todo mundo é tocador
Depois que perdi meu braço!

Certa vez, o poeta-repentista Geraldo Amâncio, em entrevista, quando de sua visita ao Museu Agar Nunes Guedes em Teixeira – PB expressou: “Se em Teixeira tivesse nascido dez governadores, os dez juntos não seriam famosos, conhecidos no Brasil, como Romano do Teixeira”. 

De Zé Limeira, podemos citar:

O meu nome é Zé Limeira
De Lima, Limão, Limansa
As estradas de São Bento
Bezerro de Vaca Mansa
Valha-me, Nossa Senhora
Ai que eu me lembrei agora:
Tão bombardeando a França!

Sobre a origem da cantoria, podemos colocar:

Outras mães podem até te adotar,
Preservar-te em berço cultural,
Mas, só uma foi quem te fez brotar,
Do repente, bem sobrenatural.
Cantoria nascestes em Teixeira
Alcançando prestígio universal!

Embora desde 20 de setembro de 1951 já exista a ACN – Associação dos Cantadores do Nordeste, com endereço na Rua Coelho Fonseca, 195, Carlito Pamplona, CEP 60.335-050, Fortaleza – CE, lamentável é a nossa cantoria não ter, ainda, o valor que deveria ter. A cantoria esteve adormecida por muito tempo na cultura teixeirense, mas ultimamente a cidade vem promovendo encontros de repentistas cantadores, o que dá garantia a continuidade de tão rica cultura nordestina. Acontecem todas as primeiras segundas-feiras de cada mês, encontros com os melhores cantadores da região e, no referido encontro os visitantes podem adquirir DVDs, CDs, folhetos, livros entre outros trabalhos referentes à cantoria. Viva a cantoria, viva o Sertão da Paraíba!

DiamanteOnline/ Colaborou Juliano Rodrigues

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