segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A feiúra é a culpada pela minha falta de sorte

Eu vou contar uma história
Que ninguém nunca contou
A providência divina
Sempre me aconselhou
Não revelar um segredo
De um homem feio e sofredor

Mais a força do destino
Vive me atormentando
Esconder esse segredo
Está me martirizando
Então resolvi contar
Com tantos e tantos anos

Nasci a sete do dez
Do ano sessenta e três
Hoje com vinte e oito anos
Eu vou contar pra vocês
O quanto sofri na vida
E o quanto a vida me fez

Nasci numa quarta-feira
À hora eu não lembro mais
Lá chamaram uma parteira
Assim dizia meus pais
Quando ela viu minha cara
De susto caiu pra traz

Disse: Que coisa mais feia!
Gente isso não pode ser
A cegonha se enganou
Na hora de escolher
Em vez de trazer um cristão
Trouxe um mostro pra você

Um mostro em forma de gente
Assim meu pai me criou
Com medo deu virar bicho
Ele logo me batizou
E o nome mais feio do mundo
Em mim meu pai colocou





Vai se chamar Bernardino
Isso que de tu saiu
Um cara feio desse jeito
Assombra todo o Brasil
Se é fruto do amor
Então o amor nos traiu

E assim me registraram
Com esse bendito nome
Mais todo mundo falava
Isso não é nome pra homem
O Bernardo que conheceram
Chama-se a cara da fome

Mais esse ai é o nome
Que só com ele combina
Eu pensei que nosso filho
Era uma linda menina
Mais foi isso que nasceu
Não vou cortar sua sina

E assim eu fui crescendo
Por todos era maltratado
Minhas irmãs me batiam
Sem dó e sem piedade
E os vizinhos me apelidavam
Cara de bode mijado
 
Eu sei que era tão feio
Mais merecia respeito
Porque eu não tinha culpa
De ter saído mal feito
Era defeito da fabrica
E agora não tem mais jeito

Jeito para minha vida
Só Jesus quem pode dar
Com oito anos de idade
Comecei a trabalhar
De seis horas da manhã
Até a noite chegar

Trabalhava de segunda
A sexta-feira sem parar
Chegava o fim de semana
Doidinho pra descansar
Pai dizia Bernardino                                                   
Falta lenha pra queimar

Daí eu ia no mato
Me lastimando da sorte
Com uma foice nas costa
Pedido a Deus pela morte
Soltei a foice no pé
Sofri um belo dum corte

Pensando comigo mesmo
Meu Deus a onde vou parar
Não tenho tempo pra nada
Minha vida é trabalhar
Eu nunca tive um brinquedo
E nem tempo pra brincar

E falando de brinquedo
Isso é coisa de criança
Acho que eu nuca fui
Já perdi a esperança
Nunca ganhei um brinquedo
Eu nunca tive infância

Fui criado como bicho
Longe da civilização
Nunca fui numa escola
Para ter educação
Sou mais um analfabeto
Dessa triste coleção

Mas eu não tive culpa
De nunca ter estudado
Não adianta falar
Nem relembrar o passado
Só tenho uma coisa a dizer
Não foi falta de vontade

Mesmo sendo analfabeto
Não me impediu de crescer
Com dezesseis anos de idade
Precisava vocês ver
Eu já era homem feito
Só que era feio de doer

Mesmo assim com essa idade
Sem ter tido um bom passado
Nuca tinha ido uma festa
Nem arrumado uma namorada
Quando cai na gandaia
Fui decepcionado

Fui um forró pé de poeira
Lá no sitio lagoinha
Tomei umas quatro lapadas
De cachaça com galinha
Disse agora vou dançar
E namorar aquela neguinha

Tinha uma nega rebolando
Lá no final do terreiro
Eu fui lá falar com ela
Com intenção de cavalheiro
Levei uma tapa nos dentes
Quase apaga o candeeiro

Eu fiquei meio assustado
E mesmo assim perguntei
O que está acontecendo
Que até agora eu não sei?
Vim pra falar com você
E no mesmo estante apanhei

Ela disse – ainda pergunta
Seu cabra cínico e safado?
Vai dando um fora daqui
Pra não ficar apanhado
Um porco como você
Eu nunca dei liberdade

Aí eu fiquei pensado
Meu Deus o que será de mim?
Porque tanto preconceito
Eu não sou tão feio assim
Acho que uma moça
Nunca vai olhar pra mim

Mais eu não vou desistir
De todo tempo perdido
Eu vou ficar na gandaia
Até ser bem conhecido
Vou andar até cansar
De apanhar no pé do ouvido

Aí eu fiquei insistindo
Todo forrózinho eu ia
Arrumei logo amizade
Com todo mundo que via
Até que um dia encontrei
Uma nega que me queria

Eu fiquei muito contente
Com a primeira namorada
Apresentei aos amigos
Na maior felicidade
Só que ela era uma puta
De todos que lhe cantava

Mais uma decepção
Me deixou muito ferido
Eu pensei comigo mesmo
Será que isso é castigo?
Porque tudo de ruim
Só acontece comigo?

Será que é o meu destino
Que todo dia reclamo
Eu sou um cara legal
Já tenho até os meus planos
Só que não encontrei ainda
Quem me dissesse ¨eu te amo¨

Não sou amaldiçoado
Disso eu tenho certeza
O que está faltando em mim
É um pouco de beleza
Um empurrãozinho da sorte
Pra encontrar minha princesa

Mas a sorte quando vem
Parece que não me vê
Eu que nunca tive
Não tenho nada a perder
Num mundo de pré-conceito
É só pra gente sofrer

Sofri quando era solteiro
Também quando casei
Pensei que ia mudar
Foi aí que me enganei
Se não quis morrer de fome
Pra são Paulo eu viajei

Sai da minha cidade
No interior do sertão
Fui pra cidade grande
Em cima de um caminhão
Conviver com a garoa
O frio e a poluição

Cheguei à grande São Paulo
Com três dias de viagem
Estava de pés inchados
Não agüentava mais
E a barriga roncando
Com a fome do satanás

Lá eu fui bem recebido
Por amigos e parentes
Todos me trataram bem
Me fizeram até de gente
Só o que eu não pude arrumar
Foi um emprego decente

Chega o dia seguinte
Eu fui procurar trabalho
Mais a carteira era branca
Não quis quebrar o meu galho
Mandarão-me arrumar serviço
Lá na casa do caralho

Eu fiquei insatisfeito
Meio desgostoso com a vida
No meio da cidade grande
Um lugar desconhecido
O que eu tinha mais medo
Era encontrar um bandido

Na minha situação
Não tinha muito a pensar
Tanto fazia morrer
Ou ao mesmo tempo matar
Até que um dia encontrei
Um lugar pra trabalhar

O serviço era pesado
Bem seboso e fedorento
Trabalhar de chapeado
É serviço pra jumento
Se não saísse de lá
Tinha ficado doente

Aí foi que reconheci
Tem coisa que a gente erra
O que vim fazer aqui
Nessa cidade de guerra?
Se é pra morrer de fome
Vou morrer na minha terra
 
Comprei passagem de volta
Não tive tempo a perder
Agora estou convencido
Que minha vida é sofrer
Eu vou parar num só canto
Seja viver ou morrer

Não pensei que o meu destino
Fosse tão cruel assim
O que me resta fazer
É esperar o meu fim
Baixo a cabeça ao dizer
Vinga-te mundo de mim!


AUTOR:
Bernardino Pinto de Sousa Neto, trabalha na Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo, e casado, paide dois filhos e mora na Rua Santo Antônio em Itaporanga
Esta poisia foi escrita em 03/06/1992

0 comentários:

Postar um comentário