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| Foto Ilustrativa |
Por Sousa Neto - Terremoto é um bom e velho amigo. Divide comigo as coisas mais importantes de sua vida e as menos importantes também. Qualquer fato, feito, trato, ida, vinda, dor, amor, morte, vida, sonho, sono, insônia, desde uma gripe qualquer ao pneu furado de sua cadeira, tudo ou nada é razão pra tocar o telefone pra mim e o telefone toca muito, e não importa a hora. Outro dia, me ligou logo cedo, digo, muito cedo, pra narrar que uma porca, criação de sua cunhada, havia desaparecido. O cachorro posto no quintal para proteger os suínos também tinha sido furtado. Somente a coleira canina não interessou ao ladrão.
Mas, em uma manhã de três semanas atrás, me telefonou enlutado: tinha recebido a notícia do falecimento do seu pai, e queria ir além de que me dar a notícia, queria que eu o levasse até Patos. O velório seria o reencontro: foram mais de 30 anos sem vê-lo e agora o reveria e nem importava que tivesse de olhos mudos. Dentro de um caixão não se guarda mágoa. Nunca condenou o pai por ter abandonado filhos pequenos e uma esposa cega. O importante é que tinha um pai e a morte os reuniria outra vez, do túmulo renasceria a família que um dia foi desfeita pelas coisas da vida.
Antes de lhe manifestar meus pêsames, respondi que meu cansado Uno não teria pernas para ir tão longe e, para evitar mais velórios, era prudente que não me arriscasse na viagem. Sugeri, no entanto, que ele tirasse uma pequena parte do dinheiro que angariou para comprar os pneus da cadeira e fretasse um carro.
Uma hora depois, Terremoto me liga: já estava em Patos e com um novo dilema: queria agora trazer o corpo do pai para enterrar em Itaporanga e pediu que eu lhe arrumasse o telefone do prefeito: iria falar com o gestor e pedir o custeio do traslado.
Se você quer dar um castigo em alguém, dê o número telefônico dessa pessoa a Terremoto e fique tranquilo: nunca mais ela terá sossego. Arrumei o celular do prefeito, mas resolvi não lhe repassar, temendo que pudessem me acusar de fazer uma oposição irresponsável. Outra pessoa se encarregou de mendigar o auxílio do poder público.
Uma hora e meia depois, Terremoto me liga: o carro da funerária já havia chegado, e estava cheio de mais um dilema. Ele queria trazer não apenas o corpo do pai, mas toda a herança deixada pelo velho: cama, televisão, cadeiras, som e algumas tralhas. O motorista se aperreou porque não havia espaço para tanta coisa. Por um momento, eu pensei que a única coisa que não viria era o morto. No entanto, tudo se encaixou e se acertou: depois do corpo posto no veículo, pouco mais coube.
Uma hora e vinte minutos depois, Terremoto me liga: já estava em casa com o corpo e com outro dilema também: queria sepultar o pai no dia seguinte às 4h da tarde, mas o irmão preferia que fosse às 10h da manhã. Arengaram pra valer e no meio de todo aquele bate-boca, estavam o morto e eu, mas preferimos nos calar. Até hoje ainda não sei que hora foi o enterro, mas não vai faltar oportunidade: Terremoto está me ligando agora mesmo e aproveito pra matar essa curiosidade.
Folha do Vale
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