Jesus Soares da Fonseca
Por que a Justiça teima em deixar Daniel Dantas solto? Analise o que o Delegado Protógenes de Queiroz falou na Associação de Professores da PUC de São Paulo, talvez, com muito carinho você chegue a alguma conclusão.
Capítulo Quinto.
"Os intestinos do Brasil.
Na Associação de Professores da PUC-São Paulo, uma sala apinhada de estudantes de Jornalismo e Direito. Para ouvir o delegado Protógenes Queiroz, o coordenador da Operação Satiagraha, que em julho prendeu o dono do grupo Opportunity, Daniel Dantas, & Cia - o megaespeculador Naji Nahas e o ex-prefeito Celso Pitta, entre os presos. Quinta-feira, próxima passada, o Supremo Tribunal Federal julgou o mérito do habeas corpus concedido pelo ministro Gilmar Mendes e decidiu, mais uma vez, que Dantas ficaria solto, o resultado deste julgamento, Terra Magazine adiantou algo a respeito muito antes mesmo que a sessão terminasse. Na foto: Gilmar Mendes à esquerda e Protógenes
Na Apropuc, na noite da terça-feira, o delegado Protógenes não economizou palavras. Tendo a seu lado o professor José Arbex Jr. e a estudante Marcela Rocha, autora da entrevista que se lê bem mais abaixo, o delegado disse com todas as letras o que se segue:
- Ele (Dantas) conseguiu se infiltrar no aparato estatal de uma forma tão forte, tão pesada... ele compromete altas esferas políticas do País, instituições públicas, privadas, enfim... eu costumo dizer que ele é o PC que deu certo.
- Tem que investigar e tem que prender mesmo, deixá-lo segregado mesmo da sociedade. Se nós tivéssemos uma maturidade democrática e institucional forte no Brasil como existe em outros países, esse senhor estaria preso e com os bens confiscados. E prisão perpétua; ele não sairia da cadeia nunca mais pelo que ele já prejudicou o país e a sociedade brasileira.
- Hoje, para vocês terem uma idéia, ele está em todos os segmentos de riquezas do país. E é um facilitador de desvio dessas riquezas. É um facilitador.
- Eu tive muito critério, muita determinação de abrir um capítulo sobre a mídia, porque eu acho importante aquilo com o que eu me deparei dentro do caso Daniel Dantas. Eu me deparo com um financiamento de jornalistas da grande mídia, um financiamento pesado, e eu tinha dois caminhos. Se eu não abrisse um capítulo sobre o papel da mídia na investigação ou o comprometimento da mídia com o Daniel Dantas e a corrupção no País, eu sofreria muito mais do que eu sofri no início. Então eu tinha que mostrar para a sociedade esse papel promíscuo da mídia.
- O que eu vi na mídia do Daniel Dantas é que jornalistas plantavam notícias, para criar intrigas ou prejudicar pessoas. E ganharam por isso.
- É engraçado que (a conseqüência do caso Dantas) atingiu a mídia, atingiu polícia e a própria justiça também. A quem criou ou que esteja criando obstáculo contra o poder corrupto no Brasil eles querem fazer leis para restringir.
- A verdade é que eu não pedi pra sair. Eu fui afastado literalmente. Aquela gravação que eles apresentam já é o produto final, já é o finalzinho da reunião. Eu entendo que essa gravação da reunião deveria vir a público, tem que vir a público, pra sociedade conhecer como é que se trata a coisa pública. Como é que foi tratada uma operação tão importante na história do Brasil, e ela foi tratada dentro de um órgão público chamado Polícia Federal. Tem que vir a público. A sociedade tem que conhecer, tem que questionar e tem que exigir, tem que cobrar dessas pessoas. Cobrar até mesmo de mim se porventura eu me excedi em alguma situação.
- ...Mas pelo que eu vi, a minha situação é a Justiça quem está dizendo. Eu consegui duas prisões contra o Daniel Dantas. E fui eu que pedi. A Polícia pediu, não foi o Ministério Público nem a Justiça.
- E vai vir ainda, para ratificar todo esse trabalho que nós realizamos aí ao longo de 4 anos, a condenação do Daniel Dantas pesada. Pode escrever aí: vai vir uma condenação pesada contra o Daniel Dantas. Aí me falam, me cobram: "Será que ele vai ficar preso, Protógenes?" Depende de nós. Aí já não depende do doutor Fausto, nem do Protógenes. Depende de a sociedade exigir, exercer o seu direito constitucional de fazer valer as leis deste País. A lei aqui é para todos. A lei não foi feita para a minoria, não. Não tem segurança para a minoria. Segurança jurídica tem que ser pra todos.
Disse ainda o delegado: - Ele é um criminoso, é um psicopata que passa 24 horas por dia só pensando nisso, ele tem grande poder de infiltrar-se por todo o aparelho estatal. Eu disse a ele: Você é um psicopata e sua vida é uma bagunça. Você não sabe quantas empresas você tem e nem mesmo quanto dinheiro você tem. Aproveite a prisão e reflita sobre tudo isso.
Histórico
Diante dos estudantes Protógenes Queiroz historiou as operações que já comandou, além da Satiagraha, e recordou a fieira de presos que ele e equipe fizeram: o ex-deputado e esquartejador Hildebrando Pascoal e bando, o contrabandista chinês Law Kin Chong, o ex-governador de São Paulo Paulo Maluf, entre muitos outros menos votados. Protógenes investigou ainda o bilionário russo Boris Berezovski e desmantelou a organização que ligava a MSI ao Corinthians.
Poucas horas depois da palestra de Protógenes, e exatamente um dia antes do julgamento do habeas corpus, a Polícia Federal montou uma batida policial contra o delegado. Com mandado de apreensão e busca autorizado pelo juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal - e contra a opinião do Ministério Público de São Paulo -, policiais federais entraram na casa de Protógenes em Brasília e foram ao quarto do hotel em que estava em São Paulo. Apreenderam o computador, telefones e rádio do delegado.
Do ponto de vista do que pode ser dito em público, o que a PF busca é provas de que o delegado vazou informações da Satiagraha. No mundo real, o que se assiste é mais um capítulo da batalha interna das forças policiais e de inteligência do governo federal.
Em resumo, a operação, de 4 anos, para investigar e prender Daniel Dantas foi autorizada, no mínimo, pelo então chefe da Polícia Federal, Paulo Lacerda. Quando Lacerda deixou a PF e foi para a Abin, o novo diretor da PF, Luiz Fernando Correa, e seu Chefe de Inteligência, Daniel Lorenz, pretenderam ter o controle absoluto e cotidiano da operação.
Protógenes se recusou a tanto. Temia a entrega de absolutamente todas as informações, e não apenas do que é normal numa operação desse porte. Temia o vazamento. Por meios ortodoxos e também heterodoxos, vazamentos já haviam ocorrido ao longo dos 4 anos de operação. Protógenes tinha razão. No dia 26 de abril, fruto de um vazamento interno - cujos detalhes Terra Magazine esmiuçará ainda hoje - o jornal Folha de S.Paulo publicou os contornos da operação que só se daria quase dois meses depois. Dantas, ali, entrou com um pedido de habeas corpus.
A pedido de Protógenes Queiroz, o Ministério Público Federal de São Paulo investiga os vazamentos na cúpula da Polícia Federal. É neste contexto, também, que deve ser percebida a ação da PF contra seu delegado.
A ENTREVISTA
-Como se dá a relação da Polícia Federal com a Abin? Quem pode realmente fazer grampos?
- A relação da Abin com a Polícia Federal é uma relação constitucional, disposta na lei. No nosso dia-a-dia os membros das diretorias se comunicam, é uma parceria no âmbito legal e institucional. A Abin não tem atribuição para interceptar, ela apenas pode coletar dados de fontes abertas, mas se serve dos dados coletados pela PF, a qual tem poder para produzir conhecimento através de interceptações telefônicas. No caso da operação Satiagraha foram cumpridos todos os requisitos processuais previstos pela lei a respeito das interceptações e da própria investigação. Fomos suspeitos de fazer grampos ilegais porque criaram escândalos atrás de escândalos para desviar as atenções do alvo principal, o senhor Daniel Dantas e sua organização, encobrindo uma conduta criminosa. Uma das especialidades do Dantas é fabricar escândalos como uma forma de pressão para conseguir o que quer. Por mais de uma vez, fez isso nos EUA, no Brasil e na Itália. Para isto, conta com a ajuda de alguns jornalistas; eu fiz referência a eles na investigação. Dantas se mantém pagando a grande mídia para manipular o consciente coletivo contra os investigadores. Por isso que hoje se fala tanto da conduta dos funcionários da PF e seus métodos. Quando a justiça decreta prisão, ela já valida inclusive os métodos de investigação, então não cabe este tipo de especulação. Se houve interceptação clandestina, provem!
- Como o senhor avalia a mudança da lei de interceptação telefônica?
- Criar mecanismos de controle mais rígidos vão servir para criminalizar a atividade policial. Mas não estou vendo ninguém falar em criar mecanismos de controle mais rigorosos ao crime de corrupção. Afirmaram que houve grampo clandestino para a interceptação de uma conversa entre o presidente do Supremo e um senador da República. Até hoje não mostraram o áudio deste grampo, só a conversa transcrita. A interceptação sob o ponto de vista técnico é a captação sonora do diálogo de duas pessoas. No caso não houve isto, logo não há o que se falar em interceptação sem áudio. Em vez de criarem dispositivos que agravem a pena para os crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação fiscal, formação de quadrilha, criam dispositivos que, cada vez mais, inviabilizam o trabalho de combate a estes crimes. As propostas debatidas no âmbito legislativo me parecem atender a uma classe privilegiada. Segurança jurídica no Brasil, só para as necessidades da minoria.
- O uso das algemas foi abusivo?
-Uma decisão do STF cumpre-se e não se discute. Mas o que tenho que observar é que quando o STF edita uma súmula desta natureza, na minha avaliação, foi de uma forma casuística e oportunista. Por que agora, só com o Daniel Dantas e o grupo Opportunity? Tantos casos com pessoas pobres tiveram situações semelhantes e nunca foram levados ao Supremo. Modificar uma lei para proteger um bandido é um ato insano e desrespeitoso.
-Qual a porcentagem da elite política brasileira que está envolvida com esta organização criminosa?
-Colocando a elite de uma maneira geral, arriscaria dizer que é perto de 100%. O fato de Dantas só ter ficado 48 horas preso e as medidas que foram e estão sendo tomadas para o proteger, nos permite quantificar o comprometimento da elite brasileira. Satiagraha significa resistência pacífica e silenciosa. Temos que resistir para que essa elite se exponha ao longo do processo e para que possamos (sociedade civil) cobrar dela depois por estes atos insanos contra a sociedade e contra o país.
-
Como foram as investigações da Satiagraha?
-Os que me antecederam nas investigações encontraram dificuldades de investigar o Dantas por ele ser uma pessoa com capilaridade e poder muito grandes. Tem envolvimento com várias pessoas de níveis altíssimos dentro do governo e de partidos políticos.
-Quais foram as dificuldades enfrentadas na investigação? O afastamento do Dr. Paulo Lacerda e o convite para ser diretor-geral da Abin, também afastado, foi uma decisão arbitrária para minar as investigações?
-Durante a gestão do Dr. Paulo Lacerda ele fornecia todo o aparato necessário para a investigação. É fato que numa operação destas é muito delicado o afastamento do diretor, portanto, no próprio planejamento contávamos com a presença dele do começo ao fim dos trabalhos. Sabíamos que se ele não permanecesse haveria dificuldades. Uma troca, ainda que planejada, sempre traz prejuízos. Vide o que nos aconteceu, tivemos dificuldades que atribuo a essa troca repentina em que o novo Diretor Geral não teve oportunidade para conhecer o funcionamento da PF, atrapalhando o andamento das operações. Tentamos superar na medida do possível para que a operação fosse o sucesso que foi. Na minha avaliação a sociedade ganhou muito por conta do debate que existiu em torno do caso. Se colocarmos proporcionalmente quanto ganha um policial federal para o quanto ele combate de corrupção é necessário que ele tenha uma formação de caráter muito sólida para não se corromper. Por isso que, ao longo destes quase dez anos de PF, a equipe de profissionais que está comigo não se deixa corromper, temos uma formação ética e moral semelhante. Discordo profundamente do chavão que diz: "todo mundo tem o seu preço." Não tem dinheiro que pague ver um corrupto algemado e sendo levado para cadeia. O salário de um Policial Federal não é ruim, e o reconhecimento da sociedade é gratificante. Não preciso sair de casa com vergonha ou medo da reação das pessoas, mas os bilionários que investiguei, te dou certeza que alguns deles nem dormem. Quando leio os jornais, vejo muita coisa construída em função dos interesses destas pessoas. Por isso, olho para os jornais com descrença.
-O senhor foi ameaçado ou sofreu retaliações durante a operação Satiagraha?
-Por conta de ameaças em operações anteriores, meu filho quase não nasce. Fui muito atacado durante e depois da operação. Todas as dificuldades que me impuseram apresentei ao Ministério Público para que fosse apurado. Houve falta de gente, de equipamentos, "perdi" informações importantes e mudei de ambiente de trabalho mais de uma vez; isto atrasou a investigação. Houve interesse em atrasar, é claro, tanto que durante a operação os bandidos sabiam de todos os meus passos - desde o avião que eu pegava, o horário do vôo até a cidade em que eu estava. Por conta disto passei a me deslocar de ônibus. Tinha equipes de investigação contra mim, identifiquei os carros e as pessoas, tinha inclusive gente da Polícia Federal. Tentaram me incriminar de todas as formas.
-E os jornalistas supostamente envolvidos no caso, como o senhor avalia a cobertura da mídia?
-Tenho uma profunda admiração por jornalistas investigativos, mas acho necessário pesar em que medida o "furo" não vai inviabilizar as investigações da Polícia Federal. A tiragem total dos jornais diários é mais ou menos 2 milhões, portanto é preciso ponderar se haverá malefícios às investigações e, por conseqüência, ao país. Um jornal diário, por exemplo, tem uma tiragem de 400 mil exemplares aproximadamente, tem sim que levar em conta não só o próprio jornal e suas vendas, mas também em que medida soltar aquela notícia favoreceria os investigados ou não. Uma notícia pode colocar em risco tanto a operação quanto as vidas dos policiais envolvidos. No caso Satiagraha houve um vazamento de informação que foi notícia na Folha de S.Paulo no dia 26 de abril, um sábado. Por conta disto é que o Dantas pediu habeas corpus preventivo. Qual a relevância desta notícia, naquele dia para a maior parte da população? Nenhuma, naquele momento. O "furo" poderia ter esperado. Este episódio dificultou a operação, o que me faz crer que foi uma coisa dirigida para prejudicar o trabalho do Estado e facilitar a vida dos investigados. A partir daí tive que fazer uma reengenharia de todo o trabalho para ele não se perder. Se eu não tivesse aberto, no inquérito, um capítulo sobre mídia, quem acreditaria em mim? A revista Veja, a IstoÉ ou Época? Com certeza nenhuma delas e nem a sociedade.
-Quem é Gilmar Mendes?
-Só o conheço como Presidente do Supremo Tribunal Federal e tenho o maior respeito. Mas o tempo é o senhor da razão.
-Pode falar um pouco da relação entre o Naji Nahas e o ex-prefeito Celso Pitta? O Mangabeira Unger também está envolvido?
-O Naji Nahas vive de informações privilegiadas, assim desvia dinheiro e dá prejuízo nas bolsas de valores e nos mercados de capitais. Ele surge na investigação de uma forma derivada. O alvo não era ele, mas aparece envolvido em negócios com o Daniel Dantas, bem como o Celso Pitta que surge se beneficiando das operações montadas pelo Nahas. O ministro Mangabeira foi advogado do Daniel Dantas e participou de algumas estratégias e acordos praticados pelo empresário. Mas, por ser ministro, ele tem foro privilegiado e não pode ser investigado.
-O senhor fez mesmo o curso que seria a causa do seu afastamento do caso? Ele inviabilizava a sua participação nas investigações?
-Sim, fiz o curso. Ele exigiria de mim um período de 30 dias para aulas presenciais. Mas não inviabilizava a minha participação nas investigações. Tivemos uma reunião de quase quatro horas para debater diversos assuntos, inclusive o meu afastamento. Eu poderia continuar nas investigações para fazer o trabalho de inteligência e analisar o material apreendido, trabalharia aos finais de semana e prosseguiria no comando sem nenhum problema, até porque um período de 30 dias não comprometeria as investigações. Mas não me foi permitido, foi uma decisão superior, mesmo sabendo que dava para conciliar sem prejuízos tanto para o curso quanto para a operação.
-Ao término do curso, em novembro, o senhor volta para as investigações?
-Não vou voltar para as investigações.
-Como o senhor acha que vai acabar a operação Satiagraha?
-Espero que acabe com uma boa reforma política nesse país. O sintoma já esta aparecendo nessas eleições municipais. Se hoje o Daniel Dantas fica 48 horas na prisão, amanhã ele pode receber uma condenação em sede de primeira instância. E vai receber. Tenho plena certeza disto porque autoria e materialidade, de corrupção e gestão fraudulenta, já foram constatadas. Com absoluta certeza ele vai ser condenado porque a Suprema Corte não é formada só pelo seu presidente; lá cada um teve a sua formação de caráter e acredito nos membros da Suprema Corte do Brasil. Depois de todo esse debate público que se formou em torno do caso tenho as minhas dúvidas de que Dantas continue a tratar o nosso Supremo como antes. Valeu a pena passar 15 dias à base de bolacha e café aqui na nossa base operacional, que era neste hotel onde me hospedo hoje. Após a operação fiquei gago e com perda temporária de memória. Mesmo assim recebi determinações superiores do Diretor Geral de que eu deveria ir a público. Num primeiro momento me recusei por que nunca tinha dado uma entrevista antes e estava bastante debilitado para isto. Fui praticamente obrigado e tive que acatar. A leitura que faço disto é que a decisão da administração da PF tinha o objetivo de me expor: "Jornais, conheçam esta fera e a destruam". Tanto que, logo depois das entrevistas, houve a abertura de inquérito contra mim e toda equipe. (cantarola) "Joga pedra na Geni. Ela é feita pra apanhar. Ela é boa de cuspir... Maldita Geni..."
Sexto Capítulo
Lacerda vai à CPI desfazer articulações de Dantas
O diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda, depõe nesta quarta-feira na CPI dos Grampos com o objetivo de desmontar as articulações do banqueiro Daniel Dantas e defender-se das acusações da mídia
A mais recente cartada do banqueiro Daniel Dantas foi tentar envolver o diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Paulo Lacerda, em seu depoimento na CPI dos Grampos. Disse o banqueiro que a Operação Satiagraha seria uma "retaliação" à acusação instrumentada pelo próprio Dantas, há dois anos, de que o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos e Paulo Larceda, à época na direção da Polícia Federal, estavam envolvidos numa fantasiosa rede de contas secretas no exterior. A tese foi investigada pela revista Veja, que não a assumiu como verdadeira.
Terra Magazine apurou que a defesa de Lacerda não se baseará nas acusações de Daniel Dantas - o que fortaleceria a idéia do banqueiro de que a briga é pessoal. O foco será outro.
A disposição do chefe da Abin em depor na CPI dos Grampos vem de antes do depoimento do banqueiro preso no último dia 8 de julho pela PF. Quer esclarecer denúncias que surgiram na imprensa de que a Abin seria a responsável por um grampo no Supremo Tribunal Federal (STF), que, segundo varredura do próprio órgão, jamais existiu.
Paulo Lacerda é conhecido entre seus colegas como um sujeito sereno e tranqüilo. Dele mesmo partiu a iniciativa de comparecer à CPI dos Grampos; dele virá a reclamação de que a cobertura da imprensa para determinados casos beira o "limite do absurdo".
Daniel Dantas tem manobrado para passar de acusado a acusador. Essa reação, dizem até, demonstra a eficiência da Operação Satiagraha. O banqueiro é acusado, entre outros crimes, de formação de quadrilha, gestão fraudulenta, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal.
A outra estratégia do diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda, ao falar para deputados na tarde desta quarta-feira, 20, consistirá na defesa de sua agência. Entende a cúpula do órgão que a Abin é uma espécie de Geni, mas sem a simpatia dada por Chico Buarque à sua personagem.
Alvo de pedradas, a Abin recebe o mesmo tratamento da imprensa brasileira e de parte da sociedade, avaliam servidores. Já Lacerda entende que um país como o Brasil, que pretende ter mais expressão na esfera mundial, com novas reservas de petróleo descobertas em território brasileiro, precisa de um setor de inteligência cada vez mais forte e respeitado.
Conta a favor de Lacerda nesse argumento o decreto número 6.540, publicado nesta mesmíssima quarta-feira 20, no Diário Oficial da União. Leva a assinatura do presidente Lula, do ministro da Defesa, Nelson Jobim, do da Justiça, Tarso Genro, do chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Armando Felix, e do secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães Neto.
O decreto dispõe sobre a organização e o funcionamento do Sistema Brasileiro de Inteligência. Determina: "A Abin poderá manter, em caráter permanente, representantes dos órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência no Departamento de Integração do Sistema Brasileiro de Inteligência".
O Departamento em questão integra todos os setores da inteligência brasileira, como órgãos da Polícia Federal, do ministério da Defesa e do Estado-Maior. Funciona em esquema de plantão, ininterruptamente, para qualquer eventualidade.
O presidente Lula, através desse decreto, coloca um ponto final na tese de Daniel Dantas de que a participação da Abin na Satiagraha foi ilegal ou clandestina. Claramente, o decreto garante que a agência é parte do órgão que agrega todos os setores de inteligência brasileiros.
Lacerda vai até a CPI com uma idéia na cabeça: botar as coisas nos eixos e mostrar quem é acusado e quem é acusador."
Por que a Justiça teima em deixar Daniel Dantas solto? Analise o que o Delegado Protógenes de Queiroz falou na Associação de Professores da PUC de São Paulo, talvez, com muito carinho você chegue a alguma conclusão.
Capítulo Quinto.
"Os intestinos do Brasil.
Na Associação de Professores da PUC-São Paulo, uma sala apinhada de estudantes de Jornalismo e Direito. Para ouvir o delegado Protógenes Queiroz, o coordenador da Operação Satiagraha, que em julho prendeu o dono do grupo Opportunity, Daniel Dantas, & Cia - o megaespeculador Naji Nahas e o ex-prefeito Celso Pitta, entre os presos. Quinta-feira, próxima passada, o Supremo Tribunal Federal julgou o mérito do habeas corpus concedido pelo ministro Gilmar Mendes e decidiu, mais uma vez, que Dantas ficaria solto, o resultado deste julgamento, Terra Magazine adiantou algo a respeito muito antes mesmo que a sessão terminasse. Na foto: Gilmar Mendes à esquerda e Protógenes
Na Apropuc, na noite da terça-feira, o delegado Protógenes não economizou palavras. Tendo a seu lado o professor José Arbex Jr. e a estudante Marcela Rocha, autora da entrevista que se lê bem mais abaixo, o delegado disse com todas as letras o que se segue:
- Ele (Dantas) conseguiu se infiltrar no aparato estatal de uma forma tão forte, tão pesada... ele compromete altas esferas políticas do País, instituições públicas, privadas, enfim... eu costumo dizer que ele é o PC que deu certo.
- Tem que investigar e tem que prender mesmo, deixá-lo segregado mesmo da sociedade. Se nós tivéssemos uma maturidade democrática e institucional forte no Brasil como existe em outros países, esse senhor estaria preso e com os bens confiscados. E prisão perpétua; ele não sairia da cadeia nunca mais pelo que ele já prejudicou o país e a sociedade brasileira.
- Hoje, para vocês terem uma idéia, ele está em todos os segmentos de riquezas do país. E é um facilitador de desvio dessas riquezas. É um facilitador.
- Eu tive muito critério, muita determinação de abrir um capítulo sobre a mídia, porque eu acho importante aquilo com o que eu me deparei dentro do caso Daniel Dantas. Eu me deparo com um financiamento de jornalistas da grande mídia, um financiamento pesado, e eu tinha dois caminhos. Se eu não abrisse um capítulo sobre o papel da mídia na investigação ou o comprometimento da mídia com o Daniel Dantas e a corrupção no País, eu sofreria muito mais do que eu sofri no início. Então eu tinha que mostrar para a sociedade esse papel promíscuo da mídia.
- O que eu vi na mídia do Daniel Dantas é que jornalistas plantavam notícias, para criar intrigas ou prejudicar pessoas. E ganharam por isso.
- É engraçado que (a conseqüência do caso Dantas) atingiu a mídia, atingiu polícia e a própria justiça também. A quem criou ou que esteja criando obstáculo contra o poder corrupto no Brasil eles querem fazer leis para restringir.
- A verdade é que eu não pedi pra sair. Eu fui afastado literalmente. Aquela gravação que eles apresentam já é o produto final, já é o finalzinho da reunião. Eu entendo que essa gravação da reunião deveria vir a público, tem que vir a público, pra sociedade conhecer como é que se trata a coisa pública. Como é que foi tratada uma operação tão importante na história do Brasil, e ela foi tratada dentro de um órgão público chamado Polícia Federal. Tem que vir a público. A sociedade tem que conhecer, tem que questionar e tem que exigir, tem que cobrar dessas pessoas. Cobrar até mesmo de mim se porventura eu me excedi em alguma situação.
- ...Mas pelo que eu vi, a minha situação é a Justiça quem está dizendo. Eu consegui duas prisões contra o Daniel Dantas. E fui eu que pedi. A Polícia pediu, não foi o Ministério Público nem a Justiça.
- E vai vir ainda, para ratificar todo esse trabalho que nós realizamos aí ao longo de 4 anos, a condenação do Daniel Dantas pesada. Pode escrever aí: vai vir uma condenação pesada contra o Daniel Dantas. Aí me falam, me cobram: "Será que ele vai ficar preso, Protógenes?" Depende de nós. Aí já não depende do doutor Fausto, nem do Protógenes. Depende de a sociedade exigir, exercer o seu direito constitucional de fazer valer as leis deste País. A lei aqui é para todos. A lei não foi feita para a minoria, não. Não tem segurança para a minoria. Segurança jurídica tem que ser pra todos.
Disse ainda o delegado: - Ele é um criminoso, é um psicopata que passa 24 horas por dia só pensando nisso, ele tem grande poder de infiltrar-se por todo o aparelho estatal. Eu disse a ele: Você é um psicopata e sua vida é uma bagunça. Você não sabe quantas empresas você tem e nem mesmo quanto dinheiro você tem. Aproveite a prisão e reflita sobre tudo isso.
Histórico
Diante dos estudantes Protógenes Queiroz historiou as operações que já comandou, além da Satiagraha, e recordou a fieira de presos que ele e equipe fizeram: o ex-deputado e esquartejador Hildebrando Pascoal e bando, o contrabandista chinês Law Kin Chong, o ex-governador de São Paulo Paulo Maluf, entre muitos outros menos votados. Protógenes investigou ainda o bilionário russo Boris Berezovski e desmantelou a organização que ligava a MSI ao Corinthians.
Poucas horas depois da palestra de Protógenes, e exatamente um dia antes do julgamento do habeas corpus, a Polícia Federal montou uma batida policial contra o delegado. Com mandado de apreensão e busca autorizado pelo juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal - e contra a opinião do Ministério Público de São Paulo -, policiais federais entraram na casa de Protógenes em Brasília e foram ao quarto do hotel em que estava em São Paulo. Apreenderam o computador, telefones e rádio do delegado.
Do ponto de vista do que pode ser dito em público, o que a PF busca é provas de que o delegado vazou informações da Satiagraha. No mundo real, o que se assiste é mais um capítulo da batalha interna das forças policiais e de inteligência do governo federal.
Em resumo, a operação, de 4 anos, para investigar e prender Daniel Dantas foi autorizada, no mínimo, pelo então chefe da Polícia Federal, Paulo Lacerda. Quando Lacerda deixou a PF e foi para a Abin, o novo diretor da PF, Luiz Fernando Correa, e seu Chefe de Inteligência, Daniel Lorenz, pretenderam ter o controle absoluto e cotidiano da operação.
Protógenes se recusou a tanto. Temia a entrega de absolutamente todas as informações, e não apenas do que é normal numa operação desse porte. Temia o vazamento. Por meios ortodoxos e também heterodoxos, vazamentos já haviam ocorrido ao longo dos 4 anos de operação. Protógenes tinha razão. No dia 26 de abril, fruto de um vazamento interno - cujos detalhes Terra Magazine esmiuçará ainda hoje - o jornal Folha de S.Paulo publicou os contornos da operação que só se daria quase dois meses depois. Dantas, ali, entrou com um pedido de habeas corpus.
A pedido de Protógenes Queiroz, o Ministério Público Federal de São Paulo investiga os vazamentos na cúpula da Polícia Federal. É neste contexto, também, que deve ser percebida a ação da PF contra seu delegado.
A ENTREVISTA
-Como se dá a relação da Polícia Federal com a Abin? Quem pode realmente fazer grampos?
- A relação da Abin com a Polícia Federal é uma relação constitucional, disposta na lei. No nosso dia-a-dia os membros das diretorias se comunicam, é uma parceria no âmbito legal e institucional. A Abin não tem atribuição para interceptar, ela apenas pode coletar dados de fontes abertas, mas se serve dos dados coletados pela PF, a qual tem poder para produzir conhecimento através de interceptações telefônicas. No caso da operação Satiagraha foram cumpridos todos os requisitos processuais previstos pela lei a respeito das interceptações e da própria investigação. Fomos suspeitos de fazer grampos ilegais porque criaram escândalos atrás de escândalos para desviar as atenções do alvo principal, o senhor Daniel Dantas e sua organização, encobrindo uma conduta criminosa. Uma das especialidades do Dantas é fabricar escândalos como uma forma de pressão para conseguir o que quer. Por mais de uma vez, fez isso nos EUA, no Brasil e na Itália. Para isto, conta com a ajuda de alguns jornalistas; eu fiz referência a eles na investigação. Dantas se mantém pagando a grande mídia para manipular o consciente coletivo contra os investigadores. Por isso que hoje se fala tanto da conduta dos funcionários da PF e seus métodos. Quando a justiça decreta prisão, ela já valida inclusive os métodos de investigação, então não cabe este tipo de especulação. Se houve interceptação clandestina, provem!
- Como o senhor avalia a mudança da lei de interceptação telefônica?
- Criar mecanismos de controle mais rígidos vão servir para criminalizar a atividade policial. Mas não estou vendo ninguém falar em criar mecanismos de controle mais rigorosos ao crime de corrupção. Afirmaram que houve grampo clandestino para a interceptação de uma conversa entre o presidente do Supremo e um senador da República. Até hoje não mostraram o áudio deste grampo, só a conversa transcrita. A interceptação sob o ponto de vista técnico é a captação sonora do diálogo de duas pessoas. No caso não houve isto, logo não há o que se falar em interceptação sem áudio. Em vez de criarem dispositivos que agravem a pena para os crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação fiscal, formação de quadrilha, criam dispositivos que, cada vez mais, inviabilizam o trabalho de combate a estes crimes. As propostas debatidas no âmbito legislativo me parecem atender a uma classe privilegiada. Segurança jurídica no Brasil, só para as necessidades da minoria.
- O uso das algemas foi abusivo?
-Uma decisão do STF cumpre-se e não se discute. Mas o que tenho que observar é que quando o STF edita uma súmula desta natureza, na minha avaliação, foi de uma forma casuística e oportunista. Por que agora, só com o Daniel Dantas e o grupo Opportunity? Tantos casos com pessoas pobres tiveram situações semelhantes e nunca foram levados ao Supremo. Modificar uma lei para proteger um bandido é um ato insano e desrespeitoso.
-Qual a porcentagem da elite política brasileira que está envolvida com esta organização criminosa?
-Colocando a elite de uma maneira geral, arriscaria dizer que é perto de 100%. O fato de Dantas só ter ficado 48 horas preso e as medidas que foram e estão sendo tomadas para o proteger, nos permite quantificar o comprometimento da elite brasileira. Satiagraha significa resistência pacífica e silenciosa. Temos que resistir para que essa elite se exponha ao longo do processo e para que possamos (sociedade civil) cobrar dela depois por estes atos insanos contra a sociedade e contra o país.
-
Como foram as investigações da Satiagraha?
-Os que me antecederam nas investigações encontraram dificuldades de investigar o Dantas por ele ser uma pessoa com capilaridade e poder muito grandes. Tem envolvimento com várias pessoas de níveis altíssimos dentro do governo e de partidos políticos.
-Quais foram as dificuldades enfrentadas na investigação? O afastamento do Dr. Paulo Lacerda e o convite para ser diretor-geral da Abin, também afastado, foi uma decisão arbitrária para minar as investigações?
-Durante a gestão do Dr. Paulo Lacerda ele fornecia todo o aparato necessário para a investigação. É fato que numa operação destas é muito delicado o afastamento do diretor, portanto, no próprio planejamento contávamos com a presença dele do começo ao fim dos trabalhos. Sabíamos que se ele não permanecesse haveria dificuldades. Uma troca, ainda que planejada, sempre traz prejuízos. Vide o que nos aconteceu, tivemos dificuldades que atribuo a essa troca repentina em que o novo Diretor Geral não teve oportunidade para conhecer o funcionamento da PF, atrapalhando o andamento das operações. Tentamos superar na medida do possível para que a operação fosse o sucesso que foi. Na minha avaliação a sociedade ganhou muito por conta do debate que existiu em torno do caso. Se colocarmos proporcionalmente quanto ganha um policial federal para o quanto ele combate de corrupção é necessário que ele tenha uma formação de caráter muito sólida para não se corromper. Por isso que, ao longo destes quase dez anos de PF, a equipe de profissionais que está comigo não se deixa corromper, temos uma formação ética e moral semelhante. Discordo profundamente do chavão que diz: "todo mundo tem o seu preço." Não tem dinheiro que pague ver um corrupto algemado e sendo levado para cadeia. O salário de um Policial Federal não é ruim, e o reconhecimento da sociedade é gratificante. Não preciso sair de casa com vergonha ou medo da reação das pessoas, mas os bilionários que investiguei, te dou certeza que alguns deles nem dormem. Quando leio os jornais, vejo muita coisa construída em função dos interesses destas pessoas. Por isso, olho para os jornais com descrença.
-O senhor foi ameaçado ou sofreu retaliações durante a operação Satiagraha?
-Por conta de ameaças em operações anteriores, meu filho quase não nasce. Fui muito atacado durante e depois da operação. Todas as dificuldades que me impuseram apresentei ao Ministério Público para que fosse apurado. Houve falta de gente, de equipamentos, "perdi" informações importantes e mudei de ambiente de trabalho mais de uma vez; isto atrasou a investigação. Houve interesse em atrasar, é claro, tanto que durante a operação os bandidos sabiam de todos os meus passos - desde o avião que eu pegava, o horário do vôo até a cidade em que eu estava. Por conta disto passei a me deslocar de ônibus. Tinha equipes de investigação contra mim, identifiquei os carros e as pessoas, tinha inclusive gente da Polícia Federal. Tentaram me incriminar de todas as formas.
-E os jornalistas supostamente envolvidos no caso, como o senhor avalia a cobertura da mídia?
-Tenho uma profunda admiração por jornalistas investigativos, mas acho necessário pesar em que medida o "furo" não vai inviabilizar as investigações da Polícia Federal. A tiragem total dos jornais diários é mais ou menos 2 milhões, portanto é preciso ponderar se haverá malefícios às investigações e, por conseqüência, ao país. Um jornal diário, por exemplo, tem uma tiragem de 400 mil exemplares aproximadamente, tem sim que levar em conta não só o próprio jornal e suas vendas, mas também em que medida soltar aquela notícia favoreceria os investigados ou não. Uma notícia pode colocar em risco tanto a operação quanto as vidas dos policiais envolvidos. No caso Satiagraha houve um vazamento de informação que foi notícia na Folha de S.Paulo no dia 26 de abril, um sábado. Por conta disto é que o Dantas pediu habeas corpus preventivo. Qual a relevância desta notícia, naquele dia para a maior parte da população? Nenhuma, naquele momento. O "furo" poderia ter esperado. Este episódio dificultou a operação, o que me faz crer que foi uma coisa dirigida para prejudicar o trabalho do Estado e facilitar a vida dos investigados. A partir daí tive que fazer uma reengenharia de todo o trabalho para ele não se perder. Se eu não tivesse aberto, no inquérito, um capítulo sobre mídia, quem acreditaria em mim? A revista Veja, a IstoÉ ou Época? Com certeza nenhuma delas e nem a sociedade.
-Quem é Gilmar Mendes?
-Só o conheço como Presidente do Supremo Tribunal Federal e tenho o maior respeito. Mas o tempo é o senhor da razão.
-Pode falar um pouco da relação entre o Naji Nahas e o ex-prefeito Celso Pitta? O Mangabeira Unger também está envolvido?
-O Naji Nahas vive de informações privilegiadas, assim desvia dinheiro e dá prejuízo nas bolsas de valores e nos mercados de capitais. Ele surge na investigação de uma forma derivada. O alvo não era ele, mas aparece envolvido em negócios com o Daniel Dantas, bem como o Celso Pitta que surge se beneficiando das operações montadas pelo Nahas. O ministro Mangabeira foi advogado do Daniel Dantas e participou de algumas estratégias e acordos praticados pelo empresário. Mas, por ser ministro, ele tem foro privilegiado e não pode ser investigado.
-O senhor fez mesmo o curso que seria a causa do seu afastamento do caso? Ele inviabilizava a sua participação nas investigações?
-Sim, fiz o curso. Ele exigiria de mim um período de 30 dias para aulas presenciais. Mas não inviabilizava a minha participação nas investigações. Tivemos uma reunião de quase quatro horas para debater diversos assuntos, inclusive o meu afastamento. Eu poderia continuar nas investigações para fazer o trabalho de inteligência e analisar o material apreendido, trabalharia aos finais de semana e prosseguiria no comando sem nenhum problema, até porque um período de 30 dias não comprometeria as investigações. Mas não me foi permitido, foi uma decisão superior, mesmo sabendo que dava para conciliar sem prejuízos tanto para o curso quanto para a operação.
-Ao término do curso, em novembro, o senhor volta para as investigações?
-Não vou voltar para as investigações.
-Como o senhor acha que vai acabar a operação Satiagraha?
-Espero que acabe com uma boa reforma política nesse país. O sintoma já esta aparecendo nessas eleições municipais. Se hoje o Daniel Dantas fica 48 horas na prisão, amanhã ele pode receber uma condenação em sede de primeira instância. E vai receber. Tenho plena certeza disto porque autoria e materialidade, de corrupção e gestão fraudulenta, já foram constatadas. Com absoluta certeza ele vai ser condenado porque a Suprema Corte não é formada só pelo seu presidente; lá cada um teve a sua formação de caráter e acredito nos membros da Suprema Corte do Brasil. Depois de todo esse debate público que se formou em torno do caso tenho as minhas dúvidas de que Dantas continue a tratar o nosso Supremo como antes. Valeu a pena passar 15 dias à base de bolacha e café aqui na nossa base operacional, que era neste hotel onde me hospedo hoje. Após a operação fiquei gago e com perda temporária de memória. Mesmo assim recebi determinações superiores do Diretor Geral de que eu deveria ir a público. Num primeiro momento me recusei por que nunca tinha dado uma entrevista antes e estava bastante debilitado para isto. Fui praticamente obrigado e tive que acatar. A leitura que faço disto é que a decisão da administração da PF tinha o objetivo de me expor: "Jornais, conheçam esta fera e a destruam". Tanto que, logo depois das entrevistas, houve a abertura de inquérito contra mim e toda equipe. (cantarola) "Joga pedra na Geni. Ela é feita pra apanhar. Ela é boa de cuspir... Maldita Geni..."
Sexto Capítulo
Lacerda vai à CPI desfazer articulações de Dantas
O diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda, depõe nesta quarta-feira na CPI dos Grampos com o objetivo de desmontar as articulações do banqueiro Daniel Dantas e defender-se das acusações da mídia
A mais recente cartada do banqueiro Daniel Dantas foi tentar envolver o diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Paulo Lacerda, em seu depoimento na CPI dos Grampos. Disse o banqueiro que a Operação Satiagraha seria uma "retaliação" à acusação instrumentada pelo próprio Dantas, há dois anos, de que o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos e Paulo Larceda, à época na direção da Polícia Federal, estavam envolvidos numa fantasiosa rede de contas secretas no exterior. A tese foi investigada pela revista Veja, que não a assumiu como verdadeira.
Terra Magazine apurou que a defesa de Lacerda não se baseará nas acusações de Daniel Dantas - o que fortaleceria a idéia do banqueiro de que a briga é pessoal. O foco será outro.
A disposição do chefe da Abin em depor na CPI dos Grampos vem de antes do depoimento do banqueiro preso no último dia 8 de julho pela PF. Quer esclarecer denúncias que surgiram na imprensa de que a Abin seria a responsável por um grampo no Supremo Tribunal Federal (STF), que, segundo varredura do próprio órgão, jamais existiu.
Paulo Lacerda é conhecido entre seus colegas como um sujeito sereno e tranqüilo. Dele mesmo partiu a iniciativa de comparecer à CPI dos Grampos; dele virá a reclamação de que a cobertura da imprensa para determinados casos beira o "limite do absurdo".
Daniel Dantas tem manobrado para passar de acusado a acusador. Essa reação, dizem até, demonstra a eficiência da Operação Satiagraha. O banqueiro é acusado, entre outros crimes, de formação de quadrilha, gestão fraudulenta, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal.
A outra estratégia do diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda, ao falar para deputados na tarde desta quarta-feira, 20, consistirá na defesa de sua agência. Entende a cúpula do órgão que a Abin é uma espécie de Geni, mas sem a simpatia dada por Chico Buarque à sua personagem.
Alvo de pedradas, a Abin recebe o mesmo tratamento da imprensa brasileira e de parte da sociedade, avaliam servidores. Já Lacerda entende que um país como o Brasil, que pretende ter mais expressão na esfera mundial, com novas reservas de petróleo descobertas em território brasileiro, precisa de um setor de inteligência cada vez mais forte e respeitado.
Conta a favor de Lacerda nesse argumento o decreto número 6.540, publicado nesta mesmíssima quarta-feira 20, no Diário Oficial da União. Leva a assinatura do presidente Lula, do ministro da Defesa, Nelson Jobim, do da Justiça, Tarso Genro, do chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Armando Felix, e do secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães Neto.
O decreto dispõe sobre a organização e o funcionamento do Sistema Brasileiro de Inteligência. Determina: "A Abin poderá manter, em caráter permanente, representantes dos órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência no Departamento de Integração do Sistema Brasileiro de Inteligência".
O Departamento em questão integra todos os setores da inteligência brasileira, como órgãos da Polícia Federal, do ministério da Defesa e do Estado-Maior. Funciona em esquema de plantão, ininterruptamente, para qualquer eventualidade.
O presidente Lula, através desse decreto, coloca um ponto final na tese de Daniel Dantas de que a participação da Abin na Satiagraha foi ilegal ou clandestina. Claramente, o decreto garante que a agência é parte do órgão que agrega todos os setores de inteligência brasileiros.
Lacerda vai até a CPI com uma idéia na cabeça: botar as coisas nos eixos e mostrar quem é acusado e quem é acusador."
0 comentários:
Postar um comentário