sexta-feira, 1 de abril de 2011

O MÉDICO, A MÃE E O SUS



O médico, a mãe e o SUS.


Rossandro Klinjey



- Mãe! Mãe! Marcos sofreu um acidente na moto! Gritou Patrícia, irmã de Marcos que àquela altura se encontrava no hospital de emergência da cidade à espera do atendimento de urgência.


Dona Rosa pensou o quanto havia pedido ao filho para não comprar aquela moto, mas lembrou o que ele lhe disse: com a moto poderia pegar mais serviços de eletricista, o que terminou fazendo-a ceder, mas agora ela se culpava, devia ter insistido mais. Em seus pensamentos, Dona Rosa sentia um misto de dor e desespero, que se alternava a sentimentos de esperança e de sua fé em Deus. – Ele não vai me abandonar, nunca me abandonou, me ajude nessa hora meu Deus. Orava silenciosamente Dona Rosa enquanto pegava um táxi com os filhos em direção ao hospital.


Enquanto isso, no refeitório do hospital dois cirurgiões amigos de faculdade falavam das agruras do SUS. - É um absurdo, anos de faculdade, seis de formação e mais quatro de residência, para ganhar míseros R$ 95,00 reais numa cirurgia que às vezes dura horas!? Eu não sou relógio não, pra trabalhar de graça, por isso eu peço essa “ajuda de custo” aos pacientes. Concorda comigo? - Meu caro amigo, você sabe que nos conhecemos desde o antigo científico, quando juntos começamos a sonhar em nos tornar médicos um dia, mas o que você me disse agora me fez lembrar das aulas de psiquiatria. - Por que? - Lembra quando estudamos a teoria de Freud e os chamados mecanismos de defesa do Ego? - Lembro sim o que é que isso tem haver? - Tem tudo haver, o que você está fazendo agora é uma baita de uma racionalização que é quando o Ego tenta produzir razões plausíveis, embora falsas, para uma ação, escondendo os verdadeiros motivos que estão por trás dela.


- Tô voando, me explica melhor.


- É que você está usando as deficiências do SUS, seus anos de estudo e dedicação para justificar uma atitude injustificada, afinal de contas as pessoas que nos procuram através do Sistema Único de Saúde não têm nada haver com isso e...


- Tá, tá, tá! Já conheço o seu discurso de bom moço e tudo mais. É por isso que você não sai do canto. Não tem um carro que preste, não se veste com a dignidade que nossa profissão exige e... - Dr. É uma urgência. Acidente de moto com politraumatismo.


- Depois nós continuamos essa conversinha pra boi dormir, mas saiba que você não vai a lugar nenhum com isso, nem você nem sua família.


Logo após ter avaliado o paciente e ver a necessidade de uma intervenção de urgência, o cirurgião recebeu a família de Marcos. Contou a gravidade da situação, o que fazia o coração de Dona Rosa, com seus 63 anos de vida, acelerar descompassadamente, enquanto lágrimas contritas marejavam seus olhos de mãe.


- Pois é, a verdade é essa, e como o atendimento é pelo SUS temos muitas pessoas na fila de espera, de forma que eu talvez só possa operar seu filho daqui a um mês.


- Mas, Dr. ele não pode esperar tanto tempo!


- Eu sei, mas o que é que posso fazer? SUS é assim mesmo!


Foi quando Patrícia interveio e perguntou. - Não tem nenhum jeito, nada que a gente possa fazer?


- Bem, vocês sabem que as cirurgias têm um custo alto, se vocês tiverem dinheiro nós podemos fazer a cirurgia hoje mesmo.


- E quanto é? Perguntou Patrícia.


- É esse valor aqui. Escreveu no papel o cirurgião.


- Meu Deus Dr. nós não temos isso não, é muito dinheiro.


- Tem certeza que a senhora, Dona Rosa, não tem umas vaquinhas, um carrinho usado que possa vender? Afinal, é a vida de seu filho!


- Dr., a única coisa que eu tenho é uma casinha que a gente mora e tá só na laje, nem piso tem, só no banheiro.


- Mas eu tenho certeza que a senhora consegue vender rápido, é só botar o preçinho bom que não vai faltar comprador.


Na cabeça de Dona Rosa passou toda a sua vida. Lembrou quando casou com Ignácio, um servente de pedreiro, quando ainda tinha apenas 16 anos. Lembrou de como apanhava dele, quando estava bêbado, e de quanto tempo morou de favor na casa dos outros, sendo humilhada pela sogra, em seguida por uma tia sua. Depois, com seus quatro filhos, morou em muitos quartinhos alugados, sendo sempre humilhada e muitas vezes expulsa pelos proprietários, por causa dos constantes atrasos no aluguel, uma vez que seu marido ora bebia tudo que o ganhava, ora não tinha serviço na construção. Só depois que seus filhos cresceram e começaram a trabalhar é que a ajudaram a construir uma casinha na qual ela morava há três anos.


Mesmo assim, Dona Rosa não teve dúvidas. Como uma mãe que sabe cumprir seu papel de protetora disse firmemente:


- Dr., pode começar a cirurgia do meu filho que eu vou vender minha casinha e trago seu dinheiro.


- Não Dona Rosa, traga o dinheiro e eu começo a cirurgia.


Nada mais consigo dizer. Sinto uma dor profunda ao concluir essa crônica. Meu coração está cheio de compaixão pelas Donas Rosas da vida, e cheio de piedade pelos médicos ou quaisquer outros profissionais que exerçam dessa forma suas profissões, afinal, a vida nos devolve tudo aquilo de bom ou de ruim que fazemos dela.





PENSE NISSO! MAS PENSE AGORA



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