por: Jesus Soares da Fonseca
Na minha infância, nas brincadeiras de ciranda de roda, a meninada costumava cantar uma canção mais ou menos assim: - O Rio São Francisco/ É estreito e corre bem/ No meio tem um remanso/ Onde mora o meu bem – seguia-se o estribilho da modinha, assoletrando-o, assim: - Ah, rene gê-a-gá/ Da mula tê-a-tá/ Do chiquin nho-go-nhó (Ah, renega da mulata do chiquinho!) – e terminava com outra estrofe – Mandei fazer u’a cama/ Da madeira do pinhão/ Quando foi de madrugada/ A cama tá qui no chão! Esta inocente brincadeira servia e serviu para nos ensinar da existência de um Rio que, mais tarde, quando fazíamos o primário, nos ensinaram ser da integridade nacional. Falo do Rio São Francisco!
O Nordeste do Brasil, principalmente, em seu semi-árido, é castigado por uma das piores intempéries da natureza, a Seca, há centenas de anos. Segundo os estudiosos, houve tempo em que os “ceus” eram mais clementes com esta parte do Brasil, as chuvas se faziam abundantes. Entretanto o que nos interessa, são os tempos atuais. E quando falo em atual, remonto a duas centenas de ano até nosssos dias. Ali, em meados do século XIX, nosso segundo Imperador, Pedro II, já se preocupava com a situação nordestina e como meio de saná-la, sonhava na transferência de parte das águas do São Francisco para aquele torrão seco sertanejo. Imagine! O Imperador não tocou o projeto adiante, por falta de recursos, não econômicos, mas, da engenharia. No século XX, na década de 40, Getúlio Dorneles Vargas, Chefe do Estado Novo, sonhou, também, em socorrer o sertanejo nordestino, levando-lhe parte das águas do Rio, em apreço. Agora, no governo de Lula, finalmente, o sonho pode ser realizado.
Trata-se de um mega projeto, estimado em R$ 4,5 bilhões, com a construção de dois canais, somados juntos em torno de quase 650 quilômetros de extensão. Um deles, o Canal do Leste, com 210 Kms, conduzirá água aos estados de Paraiba e Pernambuco. O outro, o Canal Norte, medindo 402 Kms, beneficiará, também, Pernambuco e Paraiba, além de Ceará e R.G.do Norte. Com isto, estima-se que 12 milhões de sertanejos, aproximadamente, sejam agraciados com as aguas benvindas do “Velho Chico”. Tudo bem? Nem tudo! Interesses escusos estão por trás de uma rede macomunada para impedir a transposição, e como dogma, invertendo as coisas, fazendo crer a muita gente que o projeto visa beneficiar grandes latifundiários da Região. Ora bolas! Grandes latifundiários no Semi-árido Nordestino é piada para derrubar Ari Toledo!
Comparações, as mais esdrúxulas, surgem em torno da tese. Alegam, entre outras baboseiras, que as águas do Rio, com o tempo, podem salinizar .Houve, até, exemplos de cursos d’água que foram desviados do seu leito, causando grandes males a determinada Região, como citação vem o exemplo do mar de Aral, na Ásia Central, mais precisamente, entre o Casaquistão e o Usbequistão. Veja que loucura esta comparação. O Mar de Aral é um lago com área maior que Paraiba e Pernambuco, juntos. Alguns projetos de irrigação foram feitos naquela região desviando em torno de 87% das águas de dois grandes rios que abasteciam o grande Lago, isto ocorreu na década de 60. Com o percentual de águas desviadas, sobraram, apenas, em torno de 10 a 13% da vazão ao Aral, encolhendo com isso a superfície do lago que com tempo teve suas águas salinizadas, sacrificando com isso sua fauna, extinta, hoje em dia.
Veja o absurdo da comparação! Primeiro, o São Francisco não é um lago e nem se pretende roubar as águas de seus afluentes. O Rio tem uma vazão de 1859 metros cúbicos por segundos, segundo uma corrente de estudiosos ou 2.800ms3/s, conforme outra. O projeto da Transposição prevê, apenas, 1,4% desta vazão a ser desviado para os Canais, em outras palavras, apenas 25,9 metros cúbicos ou 39, como querem alguns. Não é matemática, não, é aritmética – 1859 – 26 = 1833 m3/s ou 2800m3s - 39 = 2761m3/s continuarão a fazer a vazão do São Francisco. Querer comparar a saga do Mar de Aral à Transposiçao do São Francisco iludindo à população e, principalmente, aos ribeirinhos e pescadores da Região com falsas profecias, é terrorismo. Alegar que haverá forte salinização do solo, perda de biodiversidade e balelas do tipo, pelo desvio de apenas 1,4% das águas, é querer fazer o povo de oligofrênico! Para dizerem que a transposição não tem sentido, gritam aos quatro cantos do mundo que do total das águas desviadas aos canais, 50% evaporarão. Ora bolas! Por que esta evaporação só irá acontecer nas águas dos canais, por que não, nas do São Francisco? E que fosse verdade esta falsa teoria, mesmo assim, os semi-aridenses teriam, ainda, um pouco de água para mitigar sua perene sede.
E eis que um dos arautos da não transposição está de volta! D. Luiz Flávio Cappio voltou a fazer greve de fome. Em entrevista a Terra Magazine ele informou que irá até à morte, mas não encerrará sua grave de fome, a não ser que sejam suspensas as obras!
Segundo ele, o projeto deveria ser posto em discussão junto ao povo. O Prelado esqueceu-se que estamos numa Democracia onde os Deputados eleitos são a representação daqueles que sufragaram os seus nomes. Portanto, se o projeto já foi votado nas Câmaras, implica dizer que o povo, através de seus representantes o discutiu.
Não vou, aqui, denegrir a imagem do Bispo, como já fizeram alguns políticos, taxando-o de idiota. Ao contrário, trata-se de um homem inteligente e profundo conhecedor do São Francisco, porém, suponho, mal informado do projeto, e aí é onde mora o perigo.
Na sua entrevista, D Cappio demonstra ignorância em ralação a uma das funções de parte das forças armadas, a de engenharia. Ele acha um absurdo, um abuso de poder, um autoritarismo e falta de respeito ao povo ribeirinho a utilização de um batalhão de engenharia do exército nas obras. Ele diz: “vamos tirar as tropas”.
D. Cappio, o batalhão de engenharia do exército foi criado com esta função, ajudar em obras de relevante importância da Nação, para isto, este batalhão é bem treinado! Já vimos, muitas vezes, nas BRs, o trabalho destes soldados! Não são tropas armadas para impor!
Em uma resposta dada ao entrevistador, D Cappio diz que, com metade da verba gasta na transposição, o governo faria muito melhor, levando água às comunidades carentes, só não fala de onde virá esta água, talvez, através de carros-pipa, não sei! O príncipe da Igreja argumenta que a transposição é uma propaganda enganosa patrocinada pelo governo. Segundo ele, este governo nunca esteve interessado no povo! Que é que podemos dizer desta elucubração? Nunca o povão esteve tão assistido como neste Governo! Jamais uma classe, que foi criada por governos anteriores, a dos miseráveis, recebeu tamanha assistência governamental. A transferência de renda da classe rica para a pobre se faz presente na Conjuntura atual e, talvez, seja isto o despeito de muitos com o atual governo.
Argumenta o servo de Deus que a transposição servirá, apenas, às multinacionais, às transnacionais (não sei a que ele se refere, conheci, agora, o termo), às grandes empresas nacionais, como as criadoras de camarões em cativeiro, ao agronegócio, ao hidronegócio na produção de frutas nobres para exportação, etc. Então, eu fico pasmo com tanta loa! Uma pessoa que diz, e é verdade, morar há 33 anos na beira do rio e achar que com 1,4% da vazão do rio, seja possível desenvolver os eventos, acima, citados, no mínimo desconhece o sistema métrico decimal brasileiro, principalmente na leitura de percentuais. Ora, não seria mais produtivo e vantajoso desenvolver cria de camarões, agronegócios, plantações da fruticultura utilizando as águas do São Francisco do que, apenas, com 1,4% do manancial? E por que ter de esperar dezenas de anos para empreender tal mister? Reclama e diz que o governo nunca assistiu os ribeirinhos! Será verdade? Então, D Cappio, se este é o motivo de sua greve de fome, o senhor esqueceu-se de fazê-la, em outros governos passados!
D.Cappio é um homem inteligente e se diz observador, e eu acredito que sim! Apaixonado pelo “Velho Chico”, costuma criar lindas frases tais como: “Seu destino é, criar vida por onde passa, servir o pobre e morrer feliz no mar”. Concordo! Entretanto o homem de Deus deixa de observar que a pobreza transcende alem das ribeiras do São Francisco. Deslumbrado, talvez, com a majestade do imponente São Francisco, turva-se-lhe a visão da carência existente mais para o Norte de suas águas. Nosso conterrâneo, do Vale do Piancó, Padre Djacy Brasileiro que o diga. Na primeira greve patrocinada por D Cappio, nosso Cura enviou-lhe carta aberta, mostrando o que de real existe aqui, pra nossas bandas, muito acima das cabeceiras do São Francisco, a fome, a sede, que servem de lazer aos pobres da Região.
Aliás, quero congratular-me com este batalhador incansável, cuja luta já é vista por outros órgãos, como o semanário ISTO É, edição de 24 de outubro, próximo passado, onde faz destaque, na coluna Retrato Falado. Parabéns ao Padre Djacy Brasileiro, pois!
Se for da família Brasileiro, suponho ser de Igaracy, antigo Boqueirão dos Cochos!
“Quem possui terra possui a água, e nesta região de secas, a falta da água, significa morte.”. É outra oração do Bispo! Não atinei bem para o que ele quis dizer! Entretanto, esta oração serve-nos para ver a incongruência que há, na realização de sua greve de fome! É verdade, D.Cappio! nesta região de seca, a falta d’água significa morte, como então o senhor ainda estar a fazer greve de fome contra a transposição que trará o líquido precioso para mitigar a sede e a fome desta gente? Ou será que, no seu pensamento, o semi-árido nordestino fica apenas na bacia do “Velho Chico”?
Todavia, nada disso me impressionou tanto, quanto as analogias feitas durante a reportagem e, mais ainda, o comportamento da Igreja Católica. Perguntado se o ato contra a vida é condenado pela Igreja? De pronto, veio a resposta. “Se você questiona isto, está questionando também a própria atitude Jesus Cristo que deu a vida pelos seus”. Eu prefiro não pensar, que haja falta de humildade em tal resposta. Não há, por hipótese alguma, comparação com o ato sublime do Messias.
Jesus, em sua luta gloriosa em favor dos mais humildes contra os desmandos dos poderosos, jamais, teve a fraqueza do pensamento suicida. Se estava escrito, do ponto de vista cristão, que ele daria a vida pelos oprimidos e as escrituras teriam que ser cumpridas, mesmo assim, nunca foi seu pensamento pôr uma corda no pescoço para que cessasse o sofrimento dos pobre e humildes da época. Os mártires, sobre os quais, o Bispo argumenta, serviram de alicerce para o surgimento da Igreja, mas nunca foi pensamento de qualquer um, atirar-se à boca de um leão faminto, nem tão pouco subir em cima de uma fogueira ardente.
O impressionante, é que o Catolicismo critica tanto, através de seus membros, o seguimento da leitura bíblica, feito por outros Credos Cristãos, ao pé da letra! Entretanto D. Cappio diz que seu gesto está de acordo com o que diz São João, Capítulo 10: - o bom pastor é aquele que dá vida pelo seu rebanho. Estas são partes de uma coleção de analogias para justificar o seu ato. Que dizer, por fim, destas palavras ditas pelo Eminente Prelado: “Minha vida tem dono e é, justamente, pelo amor que eu tenho ao dono de minha vida que a ofereço por Ele”. Já imaginaram, todo e qualquer suicida, no mundo, pulando de um edifício de 20 andares dizendo que está dando a vida por Deus ou se jogando em baixo do metrô, ou pondo uma corda no pescoço?
E a CNBB que diz? Uma minoria é contra o ato do Bispo outra o está apoiando, segundo palavras do próprio D. Cappio. Todavia, não se trata de maioria ou minoria ser contra ou favor, isso é o de menos. Estão em jogo os dogmas de uma Doutrina que, em muitos casos, se faz ou se diz, rígida, íntegra, verdadeira. Se a Igreja apregoa que o dom mais precioso que o ser humano possui é a vida e atentar contra ela, é pecaminoso, como então, neste caso, o silêncio predomina, havendo aqueles que torcem contra e outros a favor, apenas isso? Que é, da Austeridade Católica?
Entre as décadas de 60 e 70, membros do IRA (Exército Revolucionário Irlandês – (Irlanda Católica)), entraram em greve de fome para que seus compatriotas presos injustamente, fossem soltos. Imediatamente, o Vaticano condenou a ação suicida dos guerrilheiros, informando, inclusive, tratar-se de uma ação contra a própria vida indo de encontro aos princípios da Igreja de Cristo. Sabe-se, também, que, no caso, havia interesse dos poderosos da Grã-Bretanha. E agora, no caso de D.Cappio, qual a diferença do ato? Trata-se de uma greve de fome até à morte, tal e qual a dos membros do IRA, se a solicitação exigida não for atendida. Eu continuo Católico, porém fico levando meu pensamento a devanear: quem será mais austero, o Congresso Nacional ou a CNBB representante máxima da Igreja da qual faço parte, como fiel?
Ao terminar, quero advertir àqueles que acham que fazer críticas ao Bispo é denegrir a sua imagem, é conspurcá-la, que em momento algum desta matéria fiz má menção à pessoa física do Sacerdote. Sei que Ele é uma pessoa simples, e pelo que já li sobre sua vida, humilde, embora, advindo de família abastada, inclusive, deixou o convívio de seus familiares para vir se dedicar às causas de sua Religião, o que vejo como um ato sublime.