O tempo passou e, ao encontrar com o professor, falai da impossibilidade de fazer a entrevista com a reitora e disse-lhe que faria com uma pessoa comum de Itaporanga. Flaubert, sem sombra de dúvida, o melhor professor da FIP, do tipo que adora criatividade, disse apenas: "Desenvolva o tema, confio em você". Resultado, Nota 9,0, a melhor dentre todas.
Resolvi então divulgar este trabalho que ao meu ver deveria ser chamado de Vultos da Nossa História (na próxima explico porque). Ei-lo, na integra:
Paulo Rainério
Filho de pais pobres, como a maioria da população sertaneja, Esmerino Lúcio dos Santos é o primogênito de uma dupla prole de oito irmãos. Nasceu no início do século passado e como foi criado na roça não teve estudo regular, mas, mesmo assim, é considerado o maior e melhor mestre carpinteiro (substituindo seu mestre e pai, José Lúcio dos Santos) da região polarizada por Itaporanga.
Mero, no pleno vigor de seus 84 anos de uma vida feliz, aposentado pelo antigo Funrural, passeia diariamente pelas ruas da cidade, de braços com a companheira de meio século de convivência harmoniosa. Um exemplo a ser seguido!PRB – Seu Esmerino, qual a data e local do seu nascimento?
Mero – Eu nasci no dia 20 de abril de 1923. Eu nasci no sítio.
PRB – Como foi a sua infância?
Mero – Naquele tempo, os mais velhos sabem disso, era uma vida diferente da de hoje, a gente era criado como umas “coisinhas”, à vontade, brin- cando nu. Eu vesti calça com cinco anos de idade.
PRB – Com quantos anos o Sr. perdeu a sua mãe?
Mero – Eu estava com seis anos deidade. Meu pai casou-se no vamente, pouco tempo depois, ou seja, pouco mais de um ano depois e daí eu e meus irmão fomos conviver com a nossa madrasta.
PRB – Como era esse relacionamento?
Mero – O relacionamento com minha madrasta era o suficiente, não era tão bom, mais também não era dos mais ruins não. Eu como o mais velho, ajudei na criação de meus irmãos. Nós éramos oito, quatro da minha mãe e quatro da outra, mas meu pai nunca fez distinção entre os filhos, tratava a todos por igual.
PRB – Qual o seu grau de estudo?
Mero – Eu nunca fiz uma prova. Eu estudava com professor particular, aprendi a ler, escrever, à noite, na luz do candeeiro, pois não tínhamos tempo de estudar de dia; de dia, era o trabalho. Na escola da cidade eu passei poucos dias.
PRB – O Sr. é considerado o melhor carpinteiro de todos os tempos, como o Sr. aprendeu esta profissão?
Mero – A profissão eu aprendi com meu pai. Eu fui criado na roça, trabalhando na roça e ele não acreditava em mim, ele pensava que eu não aprenderia nada, só servia para a roça; depois, quando apareceu muito serviço, ele disse: “vamos, pra ver se você aprende alguma coisa”; eu fui aprovado no primeiro dia. E daí pra cá eu não parei mais, fiquei trabalhando na roça e na profissão. Trabalhei 55 anos como carpinteiro e, mesmo depois de aposentado, trabalhei ainda 16 anos.
PRB – Na sua época se casava muito cedo. O Sr. casou-se com quantos anos?
Mero – Eu me casei com 25 anos, nós tivemos 13 filhos, mais só dez sobreviveram. Meus filhos são quase todos formados, muitos deles são professores. Já faz 58 anos que eu me casei e ainda namoro, eu só saio pra passear se for com ela, se não for com ela, não me interessa ir. As vezes que sai só, foi a trabalho.
PRB – Na época de seu nascimento para cá, fala-se em grandes secas, o Sr. deve ter vivido alguma. Diga como é sobreviver ao sofrimento de uma seca?
Mero – De 1932 pra cá eu passei por todas elas. Em 32 eu estava com nove anos. Meu pai nunca foi um homem de “fracasso”, ele era pobre mais muito cuidadoso, mais pra você ter idéia da situação nessa seca, a alimentação mais favorável que se tinha era a farinha. E nós escapávamos, não era nem com o pirão de farinha, era com o caldo de farinha. Mas escapamos, quando muita gente morreu. Já a seca de 42, foi grande também, mais o sofrimento foi menor, pois já aparecia mais alguma coisa pra se comer.
PRB – Já que o Sr. falou em 1942, qual a lembrança que o senhor tem do tempo da Guerra?
Mero – Saber das notícias naquela época era muito difícil, aqui em Itaporanga, só tinha um rádio, na casa de seu Josué. Eu fiquei de fora da convocação, nesse período, eu estava trabalhando em Pernambuco e papai mandou me chamar, porque alguns colegas meus, da minha idade já tinham sido convocados, mas acabei ficando de fora. Algumas pessoas daqui chegaram a ir para a Itália.
PRB – Na construção de Brasília, foi muita gente daqui de nossa cidade, o Sr. também foi?
Mero – Fui. Em 1960, mas eu trabalhei lá apenas quatro meses. Lá, trabalhando como carpin-teiro eu ganhava bem, umas cinco vezes o que ganhava aqui, mais por problemas na família, tive que voltar.
PRB – Uma certa vez, um irmão seu, formado, disse que o Sr. era o mais pobre de todos, mais ele daria o que tinha e trabalharia o resto da vida, para ter a felicidade que o Sr. tem. A que o Sr. atribui esse estado de graça?
Mero – Eu sou uma pessoa simples, um bom filho, um bom pai e um bom esposo. Eu tive essa felicidade. Vou completar em abril do próximo ano, 84 anos bem vividos, trabalhei muito, mas nunca reclamei, nunca me aborreci com o trabalho, é tanto que ainda hoje tenho saudade e, se não fosse aposentado, ainda estaria trabalhando.
PRB – Que conselho Esmerino deixaria para os adolescentes de hoje?
Mero – Como eu sempre digo aos meus filhos: vejam o exemplo que tenho dado e sigam. Que cumpram os deveres como eu sempre cumpri.
PRB – Fala-se muito hoje em dia que estamos no fim do mundo, que antigamente era diferente... Qual o comparativo que o Sr. faz da década de 40 para o tempo de hoje?
Mero – No meu entender, eu não vejo diferença alguma. En- quanto temos as vantagens de hoje, antigamente se tinha a inocência e o amor era mais sincero que o atual. A vida hoje é muito mais fácil, mas o controle, a confiança que tinha- mos uns nos outros era maior; na minha época as pessoas confiavam mais, só bastava ser conhecido; hoje até dos próprios irmãos temos desconfiança, pois muitos querem mais do que merecem. A vida atualmente é uma maravilha, mesmo com a falta de segurança que temos agora. Eu já estou perto de morrer, mas vou com pena, pois vou deixar muita coisa boa.
PRB – O Sr. fala muito que está no fim da vida, certo que já viveu além da expectativa de vida do brasileiro. Mas, com essa vitalidade, o Sr. ainda deve ter planos para o futuro, ou não?
Mero – Eu nunca tive limites. Minha vida pertence a Deus. Quando eu digo que estou perto de morrer é porque a idade está avançada, mais eu não tenho a mínima vontade de morrer agora, eu quero viver mais uns dias. Eu acho bom viver e agora mais ainda. Eu criei 10 filhos e nunca reclamei de nada, nem nunca pedi ajuda, nem a meu pai e graças a Deus estão todos bem, até meus netos já estão quase todos formados.
PRB – Bom seu Esmerino, muito obrigado por responder a essa entrevista. Realmente foi muito boa a nossa conversa.
Mero – Desculpe se eu não soube falar direito, o meu estudo foi muito pouco. É tanto que quando meu irmão mais novo se formou, os amigos falavam a papai, que ele devia ter me aproveitado, me botado pra estudar... Papai não sabia responder e eu falava por ele: - No nosso tempo, nos fomos trabalhar para arranjar meios de formar o nosso irmão mais novo*. Mas nem por isso eu fique triste, ainda hoje tenho alegria, pelo amor e pelas palavras que ele me deixou de lembrança.
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* O irmão mais novo de seu Esmerino, formado em Engenharia Elétrica, com pós-graduação na França, morreu com apenas 44 anos de idade.
4 comentários:
Que dizer da matéria, sob comentário? É de arrepiar! Um cidadão, como Esmerino, que aprendi a admirar desde a infância quando ouvia minha Mãe, Dona Dazinha, comentar: "- que rapaz da índole boa, este filho de Zé Lúcio, educado por natureza!". Mais tarde, já trabalhando em Itaporanga, encontrava-me muitas vêzes com Esmerino, cumprimentava-o, respeitosamente, recebendo idêntico tratamento. Pensava que ele não sabia de que família eu era, até que certa feita, na Igreja, assistindo a missa de domingo, ele falou: "você é filho do finado Totinha, não é?". Sim, sou! Sou Jesus, trabalho no Banco do Nordeste! "Eu sei, eu já vi voce trabalhando". O impressionante, é que nunca vi Esmerino sorrindo, nem tão pouco triste! Sua fisionomia é difícil descrever, pois apesar de sempre fechada, denotava tranquilidade, felicidade. É incrível! Em sua resposta à reportagem, ele fala: "Eu sou uma pessoa simples, um bom filho, um bom pai e um bom esposo". Epa, Esmerino! Voce se esqueceu de um detalhe! Você é um bom Cidadão, eu diria, um exemplar Cidadão, digno de ser copiado por todos. Você é um marco de Cidadania na sociedade itaporanguense! O irmão aludido na matéria,suponho ser Abdoral, de saudosa memória, requisitado por Deus, prematuramente. Abdoral, outro exemplo de pessoa, com aquele seu falar peculiar, fazia amizade com toso nós, estudantes de sua época!
Gostei, muito, da entrevista e aqui fica meu abraço a Esmerino e, tenho certeza, tranquilo como ele o é, vai chegar aos 100, facilmente!
Meu caro amigo Jesus Fonseca.
Eu não tenho boa condição de lhe agradecer as palavras tão valiosas que você falou ao meu respeito. Eu só tenho a dizer que ficarão na minha memória eternamente.
Para você e sua família, o que eu desejo é um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo, com muita saúde paz e felicidade.
Um abraço do seu conterrâneo Esmerino Lúcio dos Santos e família.
Presado Jesus Fonseca, é com muita satisfação, que venho dá os meus agradecimentos em meu nome e, soberetudo, do meu pai, por suas palavras de carinho e admiração para com o mesmo, pois com certeza sinto-me orgulhosa de ser filha desse homem íntegro que é meu pai! Aproveitando, quero desde já desejar à você e toda sua família um FELIZ ANO NOVO, repleto de saúde, paz e realizaçôes...
Alô Cida! ----- Não é necessário agradecer!---Li teu comentário e o de Esmerino. ---- É salutar enaltecermos e exaltarmos os nomes das pessoa de bem de Nossa Terra, para que as novas gerações aprendam e saibam da existência dessas pessoas.----- No ensejo, desejo Um Ano Novo repleto de felicidade para Ti e tua família!
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