O Senado discute conceder um cargo efetivo a Humberto Lucena Júnior, filho do ex-senador e ex-presidente da Casa Humberto Lucena (PMDB-PB). Nos anos 1980, essa prática era conhecida como "trem da alegria", porque os beneficiários ganham um emprego para toda a vida sem realizar concurso público.
O caso de Lucena Júnior está sendo tratado na Mesa Diretora do Senado, instância máxima administrativa da Casa. Integrada por sete senadores, a Mesa tem como primeiro-secretário o senador Cícero Lucena (PSDB-PB), que é parente distante do ex-parlamentar Humberto Lucena, morto em 1998.
Os dois também eram ligados politicamente. Cícero foi indicado por Humberto como candidato a vice-governador na chapa encabeçada por Ronaldo Cunha Lima em 1990. Na época, todos eram filiados ao PMDB. Em 1996, na disputa pela prefeitura de João Pessoa, o senador Humberto Lucena fez campanha para Cícero, que foi eleito no segundo turno.
Desde janeiro de 2011, o atual tucano ocupa o posto de primeiro-secretário do Senado, uma espécie de "prefeitura da Casa". Cícero Lucena nega beneficiar o filho do ex-aliado, mas admite que foi procurado por Lucena Júnior. "Não vou lhe dizer que não, pois é claro que ele falou comigo. Mandei (o processo) para a advocacia do Senado. Confesso que nem acompanhei isso. Tanto faz ele como qualquer um que pedir eu encaminho", contou Cícero Lucena.
Segundo o iG apurou, mais seis funcionários tentam se beneficiar do trem da alegria. Já existe até um parecer pronto sobre o assuto. Isso gerou desconforto entre os demais integrantes da Mesa Diretora, que não querem enfrentar um novo desgaste com a opinião pública que, desde 2009, aponta uma série de desvios administrivos na Casa.
Em nome do pai
Lucena Júnior ocupa cargos no Senado desde 1984, quando foi nomeado no gabinete do pai. Na época, ganhou um posto de secretário parlamentar, no qual era contratado pelo regime CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), que não dá direito a estabilidade no emprego.
A partir de 1995, o Senado acabou com os cargos desse tipo e determinou que os secretários parlamentares fossem contratados como comissionados, em vez de serem abrigados como servidores públicos.
Em seguida, um grupo de secretários parlamentares ingressou na Justiça para serem efetivados. Em 2001, o Senado resolveu agraciar um deles: Oswaldino Brito, secretário particular do gabinete do senador José Sarney (PMDB-AP).
Ato secreto de nomeação
A nomeação de Brito sempre foi considerada nebulosa, porque era desconhecido o teor do ato administrativo que a confirmou. Na crise administrativa que abalou o Senado em 2009, foi revelado que o ato em questão era secreto. Ou seja, não havia sido tornado público.
Isso obrigou o Senado a analisar o caso dos demais secretários parlamentares em situação similar à de Brito. Entre eles, o de Lucena Júnior. Em 2010, após consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU), cinco conseguiram o posto.
O processo foi relatado pelo ministro Raimundo Carreiro, ex-funcionário do Senado ligado a Sarney e com passagem pela Secretaria-Geral da Mesa Diretora. No entanto, ao contrário dos secretários parlamentares efetivados, Lucena Júnior teve o pedido de efetivação negado pela Casa.
Na época, a Advocacia-Geral do Senado justificou que, como a recisão dos contratos de secretários parlamentares aconteceu em 1995, por lei ele teria até cinco anos para requerer o posto. Porém, Lucena Júnior só ingressou com o processo em 2006.
Comissão especial sobre caso
O caso de Lucena Júnior voltou à tona no início do ano passado, quando ele fez novo apelo à Diretoria-Geral para se tornar servidor público do Senado. A Casa chegou a criar uma comissão especial para analisar o pedido.
Lucena Júnior alega, no requerimento, ter vínculo empregatício ininterrupto - argumento citado pelo TCU para chancelar as efetivações - com a Casa desde sua primeira contratação. Mas a Advocacia-Geral do Senado já emitiu, em novembro passado, parecer questionando tal posição.
De acordo com processo em análise pela Mesa, Lucena Júnior foi desligado da Casa em dois momentos. O primeiro, por dois dias - um sábado e um domingo -, em 1995, no período entre a recisão do contrato de secretário parlamentar e sua recontratação para o posto comissionado no gabinete do pai.
No segundo, ele ficou por quase quatro meses sem vínculo jurídico com o Senado. O hiato aconteceu depois que Lucena Júnior deixou, em fevereiro de 2003, o gabinete do senador Wellington Roberto, então suplente de seu pai.
Trabalho das 8h30 às 14h30
Oficialmente, Lucena Júnior só voltou a ocupar cargo comissionado na Casa no fim de maio de 2003, como comissionado no gabinete do então senador Ney Suassuna. No processo, o funcionário sustenta, contudo, que durante esses quatro meses trabalhou com Suassuna - o que justificaria o vínculo - mesmo sem ter sido nomeado.
À comissão incumbida de analisar o caso, Lucena Júnior explicou que "chegava diariamente no gabinete por volta das 8h30 e saía às 14h30". Também contou que acompanhava Suassuna nas comissões e que era responsável por "pegar os jornais paraibanos mais importantes" e "fazer clip para o senador", entre outros serviços.
Colegas de Lucena Júnior relataram, nas peças anexadas ao processo, que neste período ele se correspondia pela sua conta de e-mail do Senado e que continuava a usar crachá mesmo sem ter sido nomeado para o posto. Também lembram que Lucena Júnior andava "angustiado" com a demora em ser oficializado no cargo.
IG
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