sexta-feira, 25 de maio de 2012

O CENTENÁRIO DO ¨EU¨

Neste ano da graça de 2012, comemora-se o centenário do lançamento do ¨EU¨, único livro do genial poeta paraibano Augusto dos Anjos. Um livro que causou impacto pela crueza da abordagem de temas até então banidos do universo poético, insociáveis, ou, como diziam uns poucos críticos, de puro mau gosto. Na época do lançamento, que se deu no Rio de Janeiro, havia o predomínio da poesia festiva, de salão, parnasiana, e já se antevia os albores do simbolismo, com uma visão subjetiva e o desvelo estético. Nesse ambiente de finura e leveza, irrompe Augusto dos Anjos com um grito de agonia e lamentos de dor. Sua poesia evocava morte, tristeza, cemitério e verme. ¨O poeta da morte e da tristeza¨, como é conhecido. O susto foi medonho. A maioria torceu o nariz, não podia concordar com tamanha aberração, delírio de uma alma atormentada, urros de um poeta excêntrico. O ¨EU¨ foi desdenhado nos saraus, nas rodas sociais e tertúlias.

Felizmente essa rejeição não resistiu ao tempo, se rendeu ao talento do vate. O que parecia esquisito, extemporâneo, funesto, soava musicalmente. De fato, a poesia de Augusto dos Anjos tem sonoridade, soa como música, um rasgo da genialidade do poeta. Qualquer outro poeta que usasse de termos científicos, vocábulos incomuns, em certos casos até difíceis de pronunciar, imagens incompreensíveis para os mortais comuns, caso inédito na literatura brasileira, e, talvez, mundial, seria apontado como mentalmente enfermo. Com Augusto dos Anjos, não, o que poderia parecer esdrúxulo, repugnante, fora de propósito, soa como uma música divina, tem uma sonoridade que encanta e enternece. Essa musicalidade que emana dos versos lastimosos faz bem aos ouvidos, faz com que esse grito sufocado de uma alma aflitiva ganhe suavidade e se impregne nas pessoas de forma a não se desprender nunca mais. Ouvir uma vez um verso de Augusto dos Anjos é não esquecer jamais; mesmo sem entender nada, Que importa! É outra vertente da poesia de augusto dos Anjos; a atração que ela exerce nas pessoas independente do seu nível social e intelectual; a pessoa entenda ou não, gosta assim mesmo. Diria até, sem nenhum exagero, que ler uma poesia de Augusto dos Anjos é mais que ler uma poesia, é se deleitar com uma partitura; mas, não uma partitura qualquer, teria de ser ao nível de um Beethoven, de Bach, de Wagner, ou de Ernesto Nazaré.

Sem querer causar nenhum sobressalto, diria, que o poeta Augusto dos Anjos, de erudito, cientificista, tornou-se com o tempo, também popular. Calma gente, eu explico: o sujeito chega num botequim, na presença da corriola ruidosa, começa a recitar um soneto do poeta. De repente, faz-se um silêncio de convento, todas as atenções para o soneto. Embora não estejam entendendo nada; mas, estão gostando. E o importante no caso é gostar, entender é outro assunto.  

Foto (reprodução): Augusto dos Anjos durante sua formatura.

CARLOS HENRIQUE LEITE – escritor.

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