Nesta semana, o trabalhador  doméstico passa a ser um trabalhador como  os outros. O ciclo da  aquisição de direitos se encerra (embora a  implementação das regras, na  prática, ainda deva causar muita discussão  nos próximos anos). No país  com o maior número de domésticas do mundo,   segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), a mudança trará   diversas consequências, como mostra esta série de reportagens no site  de  VEJA.
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'Nova lei é avanço civilizatório que já vem tarde', diz ex-ministro do Trabalho
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  As transformações mais  evidentes e imediatas serão no mercado de  trabalho: os especialistas  debatem se haverá ou não demissões e se o  universo dos trabalhadores  domésticos vai diminuir. Um segundo conjunto  de mudanças deverá ocorrer  no dia-a-dia da classe média que, há  gerações, se acostumou a ter como  garantido o socorro permanente de  empregadas. Aqueles cujo orçamento  não comportar mais o pagamento da  doméstica terão de encontrar novos  modos de organizar as tarefas do  cotidiano – a arrumação da casa, a  preparação de comida, os cuidados com  crianças e idosos.
  A emenda constitucional é uma  daquelas inovações legais que têm o  condão de pôr em funcionamento  engrenagens que realmente modificam o  modo de vida de um país. Existe  algo ainda mais sutil que ela pode  alterar: valores. Ao tocar uma  relação social que se desenrola dentro de  casa, em nosso espaço mais  íntimo, ela pode mudar a maneira como  brasileiros de classes sociais  diferentes se enxergam uns aos outros, se  relacionam entre si. 
  História - A “instituição” do  trabalho doméstico feito  por gente de fora da família é milenar – e  provavelmente nunca vai se  extinguir. Na sua forma mais crua, ela  coincide com a escravidão. Mas a  história viu outros arranjos, adotados  pelas mais diversas civilizações –  dos sistemas de vassalagem no  Ocidente e no Oriente, aos de trabalho  remunerado, mais ou menos  protegido por leis, que as sociedades modernas  professam.
  O caso da Inglaterra é  interessante, por exemplo. Por mais de duzentos  anos, a começar por  1700, o trabalho doméstico foi um elemento  estruturante do modo de vida  inglês, da imagem que os ingleses tinham de  si mesmos. Como diz o  historiador inglês E. S. Turner, num clássico  sobre “o problema dos  serviçais” na Inglaterra, no século XVIII um lorde  com renda de 2 000  libras anuais estaria "traindo" sua classe se  empregasse menos de oito  homens e oito mulheres em sua casa. Da mesma  forma, senhoras de classe  média poderiam se gabar, à beira da morte, de  jamais ter preparado uma  xícara de chá. “Era um sistema hierarquizado.  Todos conheciam seu  lugar”, diz o autor de O que o Mordomo Viu.
  O mordomo inglês, aliás, virou  uma figura arquetípica, com sua  proverbial eficiência e seu senso de  dever que não excluem um traço de  ressentimento - afinal, nas  históriais policiais "o mordomo é sempre o  culpado". Há dezenas de  mordomos célebres na ficção inglesa (assim como a  doméstica já se  tornou um personagem peculiar da dramaturgia  brasileira), mas nenhum é  mais famoso que Jeeves, da imensamente popular  série de romances  cômicos de PG Woodehouse.
  Ao contrário da Inglaterra,  que lucrou com a venda de escravos, mas  nunca os usou dentro de suas  fronteiras, o Brasil conheceu a escravidão.  Para os cientistas sociais,  esse é o fato que ainda hoje contamina as  relações entre patrões e  empregados dentro de casa. “O trabalho  doméstico é o último reduto da  escravidão no Brasil”, diz, por exemplo, o  antropólogo Roberto Da  Matta. 
  Para o antropólogo Carlos  Balhana, da Universidade Federal do Paraná  (UFPR), a nova legislação  deverá eliminar "patrões exploradores"  temerosos por processos  trabalhistas. "Os serviços domésticos são  resquícios dos antigos  agregados do período da monarquia, sempre no  sentido de servidão. No  Brasil, permanece a mentalidade de se explorar  ao máximo: os quartos  das empregadas são pequenos, normalmente separados  da casa. A lei não  deve mudar essa relação de trabalho, mas a tendência  é que patrões  exploradores sejam eliminados. Eles vão ficar com medo  porque vão ter  de gastar com horas extras e haverá queixa em relação a  leis  trabalhistas", arfirma.
  Direitos - A história de cada  país determina as  conotações que o trabalho doméstico carrega para quem  o executa e para  quem se beneficia dele. Quanto à luta pela aquisição  de direitos, no  entanto, ela é bem parecida não importa onde aconteça.  Nos Estados  Unidos, por exemplo, discussões sobre a ampliação dos  direitos dos  trabalhadores domésticos acontecem hoje em dia de modo  muito semelhante  ao Brasil. 
  Em Nova York, a Declaração de  Direitos dos Trabalhadores Domésticos  passou a vigorar apenas no final  de 2010. A legislação estipula, por  exemplo, que a empregada deve tirar  um dia de folga por semana e que a  jornada de trabalho não deve  exceder 40 horas semanais, além de  estabelecer o direito a seguro  contra acidentes de trabalho ou às faltas  por questões de saúde. Após a  adoção das novas regras, outros estados  americanos passaram a debater o  tema.
Na América Latina, o país mais  avançado em legislação trabalhista de  domésticas é o Uruguai. Desde  2006, os vizinhos sul-americanos fixaram  direitos como  licença-maternidade, jornada de trabalho pré-estipulada,  horas-extras e  indenizações. Na prática, o Uruguai possui regras  parecidas com as que  devem ser implantadas no Brasil, onde a profissão é  regulamentada  desde 1972, embora com direitos bem inferiores às demais  categorias.  Mas também há países muito mais atrasados no assunto: na  Bolívia, por  exemplo, empregadas que dormem no emprego só têm direito a  oito horas  de sono por dia.
Brasil - As novas regras brasileiras abrangem todo tipo de trabalhador doméstico – como motoristas, jardineiros e babás -, mas afetarão majoritariamente as mulheres que trabalham como empregadas. De acordo com números do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), esse universo é hoje de 6,2 milhões, a terceira principal ocupação das mulheres.
Especialistas em direito do trabalho e ONGs ligadas às categorias alertam para o risco de crescimento da informalidade e demissões já que as alterações produzirão aumento dos custos para o empregador. Segundo dados do Ministério do Trabalho, um milhão de domésticas têm carteira assinada atualmente, a maioria nos grandes centros urbanos.
Para a historiadora Mary del Priore, após a implementação das novas regras trabalhistas, o Brasil acabará absorvendo imigrantes pobres de países vizinhos. "Em São Paulo, já vemos muitas babás de origem peruana e boliviana. Com a lei, acredito que haverá inegavelmente a absorção de imigrantes pobres de países latino-americanos. Tal como acontece na França, na Inglaterra e em vários países da Europa em que existem empregados domésticos vindos do subcontinente asiático, da Indonésia e da Tailândia, fatalmente o Brasil vai acabar absorvendo para as atividades domésticas esses imigrantes pobres vindos da periferia de língua hispânica", diz.
Priore também aponta o crescimento da categoria das diaristas como tendência. "A diarista corresponde à imagem de mulher que tem seu trabalho, tem sua autonomia financeira, tem a sua liberdade. Ela é aquela pessoa que quer voltar para sua casa, como qualquer outra trabalhadora. A diarista, de certa maneira, está no mesmo patamar de qualquer mulher que trabalha o dia todo e depois volta para a casa."
Congresso - Para que as mudanças entrem em vigor, a emenda precisa apenas de mais uma votação no plenário do Senado, o que deverá ocorrer nesta terça-feira sem a resistência dos parlamentares. Na primeira votação, na última terça-feira, a proposta recebeu o aval dos 70 senadores presentes. Na Câmara, foi aprovada nos dois turnos por quase a unanimidade dos deputados. Após a conclusão das votações, a emenda constitucional será promulgada.
O texto em tramitação no Congresso concede 16 direitos assegurados na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), como jornada máxima de oito horas diárias de trabalho, pagamento de adicional noturno, direito a creche para filhos de até cinco anos e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Mas, segundo congressistas, em alguns casos será necessária regulamentação específica, como o direito ao FGTS, hoje facultativo.
Brasil - As novas regras brasileiras abrangem todo tipo de trabalhador doméstico – como motoristas, jardineiros e babás -, mas afetarão majoritariamente as mulheres que trabalham como empregadas. De acordo com números do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), esse universo é hoje de 6,2 milhões, a terceira principal ocupação das mulheres.
Especialistas em direito do trabalho e ONGs ligadas às categorias alertam para o risco de crescimento da informalidade e demissões já que as alterações produzirão aumento dos custos para o empregador. Segundo dados do Ministério do Trabalho, um milhão de domésticas têm carteira assinada atualmente, a maioria nos grandes centros urbanos.
Para a historiadora Mary del Priore, após a implementação das novas regras trabalhistas, o Brasil acabará absorvendo imigrantes pobres de países vizinhos. "Em São Paulo, já vemos muitas babás de origem peruana e boliviana. Com a lei, acredito que haverá inegavelmente a absorção de imigrantes pobres de países latino-americanos. Tal como acontece na França, na Inglaterra e em vários países da Europa em que existem empregados domésticos vindos do subcontinente asiático, da Indonésia e da Tailândia, fatalmente o Brasil vai acabar absorvendo para as atividades domésticas esses imigrantes pobres vindos da periferia de língua hispânica", diz.
Priore também aponta o crescimento da categoria das diaristas como tendência. "A diarista corresponde à imagem de mulher que tem seu trabalho, tem sua autonomia financeira, tem a sua liberdade. Ela é aquela pessoa que quer voltar para sua casa, como qualquer outra trabalhadora. A diarista, de certa maneira, está no mesmo patamar de qualquer mulher que trabalha o dia todo e depois volta para a casa."
Congresso - Para que as mudanças entrem em vigor, a emenda precisa apenas de mais uma votação no plenário do Senado, o que deverá ocorrer nesta terça-feira sem a resistência dos parlamentares. Na primeira votação, na última terça-feira, a proposta recebeu o aval dos 70 senadores presentes. Na Câmara, foi aprovada nos dois turnos por quase a unanimidade dos deputados. Após a conclusão das votações, a emenda constitucional será promulgada.
O texto em tramitação no Congresso concede 16 direitos assegurados na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), como jornada máxima de oito horas diárias de trabalho, pagamento de adicional noturno, direito a creche para filhos de até cinco anos e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Mas, segundo congressistas, em alguns casos será necessária regulamentação específica, como o direito ao FGTS, hoje facultativo.



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