domingo, 15 de julho de 2012

Lavagem de Honra



Assis revirou o baú do quarto antigo e dele tirou a 45 que ali dormia enrolada num pano velho. Fazia tempo que não a avistava, desde quando foi guardada, ainda com o cano quente, num distante tempo de mocidade. Agora precisava dela para lavar sua honra, honra de macho traído, enganado, trocado por outro pela mulher que lhe jurara amor e fidelidade.

Escondeu-a na cintura, botou o chapéu de abas curtas, ajeitou os óculos e partiu com a incerteza da volta guardada na alma. Andava agora pelas ruas da Torre, descendo para a Lagoa, e via-se nas ruas de Princesa, 40 anos atrás, menino imberbe, portando a mesma 45, buscando a mesma lavagem de honra de agora. Fazia tempo, o tempo agora voltava, as lembranças batiam nas batidas do coração. O clube, o povo dançando, Mirô sentado na mesa da frente, ele entrando, puxando a arma e disparando cinco vezes no peito de Mirô, Mirô caindo, ele fugindo pelas serras de Carnaíba, a cidade ficando perto apenas nas suas lembranças, tudo isso voltava com a nitidez do presente quando se preparava para repetir tudo, em nome de uma honra que jamais o abandonara.
 
Neto de cangaceiro tinha que agir assim mesmo, dizia-se. O avo, cabra de Zé Pereira, jamais levou um desaforo para casa. Assis não trairia seu ancestral, principalmente nesse momento de ocaso da vida, quando os cabelos brancos substituiam os antigos cachos da mocidade.

A Lagoa do Parque Solon de Lucena lhe pareceu mais bela do que antes. Nunca tinha reparado nas suas águas mansas, na grama verde, nos bancos de pedra ao seu redor, nos casais em namoros amantes inspirados pela brisa que dali soprava. A cidade estava linda e ele ali vivia há anos sem notar tanta beleza.

Desceu a rua da Areia, rumando para o banco, seu destino. Desta vez não escutou a rapariga a lhe convidar para desmerréis de amor. Tinha uma missão a cumprir e não podia se dar ao desfrute de desvios no percurso, mesmo sendo desvios de chamegos.

Entrou resoluto, dirigiu-se à mesa do gerente e, sem dar bom dia, intimou:
-Quero uma conversa em particular com o senhor". O homem ficou branco, tremendo, sabendo que algo de grave estava acontecendo. Levantou-se, chamou o interlocutor para uma sala ao lado e suando de bica, preparou-se para o pior. Assis, sem perder a calma, olhou-o nos olhos e lançou a pergunta:
-O senhor é o marido de dona Francisca? O pobre homem apenas balançou com a cabeça. Diante da resposta, Assis completou:
-Eu sou amante dela e venho lhe comunicar que ela está me traindo com o doutor Geraldo. É uma vagabunda que lhe trai e me trai. O senhor viu quando ela chegou em casa, ontem, com os braços roxos?
-Vi, ela disse que tinha caído.
-Caiu nada. Foi uma surra que lhe dei para ela aprender a respeitar homem. Venho lhe contar porque o senhor, como marido, é quem deve tomar providência. Agora, se o senhor está achando ruim, diga, porque a gente resolve agora.
O homem, aliviado e agradecido, disse que não achou ruim. E ainda prometeu:
-Vou largar aquela puta, pode acreditar.
E Assis:
-Largue, mas largue logo, ouviu!

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