Com o fim da ditadura, o Dia do Índio foi adotado como ocasião oportuna para os governos apresentarem um balanço do que andam fazendo a respeito da questão indígena e, habitualmente, aproveitarem a visibilidade do assunto para anunciar demarcações de terras indígenas (TIs). Cumprimento, ainda que lento, da Constituição.
Há também os que consideram a homenagem uma forma hipócrita de afagar aqueles a quem se negam direitos nos demais dias do ano: "Todo dia era dia de índio". Ou deveria ser, pois os indígenas são atores vivos do presente e do futuro, não apenas do passado.
Em 2012, no entanto, a presidente Dilma preferiu não realizar qualquer cerimônia, muito menos anunciar alguma demarcação.
Pouco depois, homologou sete TIs, num total de pouco mais de 900 mil hectares. E seguiu-se um ano duro para os índios, com os processos fundiários quase paralisados, nenhum investimento sério na gestão das terras demarcadas, imposição de obras impactantes sem consulta e com condicionantes fictícios.
Nunca antes na história deste país, porém, havíamos assistido a uma semana do índio como esta de 2013, antecedida do envio da Força Nacional para aterrorizar aldeias dos índios mundurukus, que se opõem à transformação do rio Tapajós (PA) numa sequência de lagos mortos que inundariam parte das suas terras.
Enquanto isso, o presidente da Câmara, Henrique Alves, anunciou a instalação de uma comissão para analisar uma proposta de emenda à Constituição visando travar, no Congresso, a demarcação de TIs. Uma emenda para descumprir o princípio constitucional.
Após a ocupação do plenário da Câmara por manifestantes revoltados com a medida, Alves suspendeu a discussão do tema por seis meses.
Vale destacar o esforço da Fundação Nacional do Índio (Funai), neste ano, para identificar as terras dos guarani-kaiowás, etnia mais numerosa do Brasil e que dispõe de menor extensão de áreas do que as destinadas aos assentados da reforma agrária no Mato Grosso do Sul.
Já o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em vez de tomar a decisão política de oficializar essas terras, decisão que cabe a ele, e não à Funai, prefere receber ruralistas, acolher interesses contrariados e fragilizar a posição da órgão vinculado ao seu ministério.
Em 28 meses de governo, ele delimitou apenas duas TIs, num total de 5.000 hectares. Até o momento, é o ministro mais omisso, desde o final da ditadura, no que se refere ao provimento de justiça.
Veridiana Scarpelli/Folhapress |
Pior ainda foi a atuação da Advocacia Geral da União (AGU), que, na esteira de escandalosos pareceres produzidos para atender a interesses escusos, também expediu uma portaria para generalizar restrições às demarcações.
Em vista de intensos protestos, a AGU acabou suspendendo a norma, sem, no entanto, reconhecer e revogar o dano pretendido às TIs, que são bens da União.
Também cabe um destaque positivo para a retirada de invasores da terra Marãiwatséde, dos xavantes (MT), para a qual foi decisiva a ação articulada de vários órgãos, por meio da Secretaria-Geral da Presidência. Mas não há como atender à demanda acumulada por uma secretaria sem estrutura executiva. Os pontos de apoio que restam aos índios dentro deste governo estão remando contra a corrente.
Atravessamos conjunturas diversas e adversas para os direitos indígenas no período democrático mais recente. Mas o atual governo é o primeiro a renunciar à responsabilidade histórica e à obrigação constitucional de tutelar os direitos das minorias, cujo destino foi relegado às correlações locais de força e à sanha dos seus inimigos. Assim, nenhum dia mais será dia de índio.
MÁRCIO SANTILLI, 57, coordenador de política e direito socioambiental do Instituto Socioambiental, foi deputado federal pelo PMDB-SP (1983-86) e presidente da Fundação Nacional do Índio (1995-96)
0 comentários:
Postar um comentário