Polêmica sobre guarda local de dados complica votação do Marco Civil da internet
A mais recente polêmica que deve atrasar a votação do Marco Civil da internet gira em torno de um artigo que obriga empresas a manter cópia dos dados dos usuários brasileiros em centros de hospedagem (data centers) no Brasil. O projeto de lei, que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados desde as denúncias de espionagem do governo dos Estados Unidos a estrangeiros, tranca a pauta da Câmara desde a semana passada. A votação está prevista para esta quarta-feira (6).
Defensores da medida argumentam que um dos benefícios seria aumentar a proteção de dados de cidadãos brasileiros contra espionagem realizada por empresas ou governos estrangeiros.
Em julho deste ano, logo após as primeiras denúncias de espionagem por parte do governo americano, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, afirmou que o Brasil tem que “ter mecanismos de defesa do Estado, da soberania, e, sobretudo, para defender a privacidade e a inviolabilidade das comunicações dos cidadãos”.
Segundo Percival Henriques, presidente da Associação Nacional de Inclusão Digital (ANID) e membro titular do Comitê Gestor da Internet – CGI-Br, o Brasil deve exigir uma contrapartida para que empresas de internet explorem o mercado brasileiro, ainda que a medida não resulte em maior proteção aos dados pessoais. “O Google e o Facebook têm grande receita de publicidade no Brasil, mas é só falar em alguma obrigação que eles tiram o corpo fora. Eu concordo com a posição do governo de obrigar essas empresas a fazerem investimentos no Brasil”, diz Henriques.
Segurança jurídica
Os defensores da obrigatoriedade de hospedagem de dados no Brasil dizem ainda que a nova regra poderia aumentar a segurança jurídica. Atualmente, grandes empresas de internet podem ser processadas em caso de abusos se tiverem sede no País ou ser intimadas a quebrar o sigilo de um usuário, no caso de uma investigação criminal. Contudo, em muitos casos, elas dificultam o acesso aos dados solicitados pela Justiça, sob a alegação de que eles estão armazenados no exterior e, portanto, sujeitos a outra legislação.
Espionagem dos EUA expõe falta de leis de proteção de dados
“Com uma cópia dos dados no Brasil, essas empresas terão que cumprir a lei brasileira e quebrar o sigilo do internauta a partir de uma solicitação da Justiça”, diz Henriques, da ANID. Apesar de ser a favor da guarda dos dados no Brasil, a ANID considera que a nova regra poderia ser discutida no âmbito do anteprojeto de lei de proteção de dados pessoais para evitar atrasos na votação do Marco Civil da internet. A proposta, que está sob responsabilidade do Ministério da Justiça, ainda não tem data para ir à votação.
Sobre esse aspecto, o presidente da ANID defende que haja data centers em todo o território brasileiro, sobretudo no Nordeste, em cidades do semiárido, porque, na hora em que se leva um datacenter a uma região, surge a urgência de se implantar uma infraestrutura de rede de fibra óptica. “Por isso propomos o aumento na quantidade de infovias, a questão do transporte de dados, para que eles sejam usados e circulem apenas no Brasil, e não tenham que ir ao exterior e voltar”, pontou Percival.
Grandes empresas de internet, como Google e Facebook, não possuem datacenters no Brasil. O Google mantém 12 datacenters em todo o mundo, sendo seis nos Estados Unidos, três na Europa e três na Ásia. No final de 2012, o Google anunciou a construção do seu primeiro datacenter na América Latina. As instalações da empresa no Chile, que exigirão investimentos da ordem de R$ 320 milhões (US$ 150 milhões), devem estar prontas até o final deste ano.
Até o momento, o Google não manifestou interesse em construir um datacenter no Brasil. Em nota, a empresa afirmou que possível exigência no Marco Civil de que as empresas de internet mantenham os dados de usuários brasileiros no Brasil “arrisca limitar o acesso dos usuários brasileiros a serviços de empresas dos EUA e outros países”.
O Facebook, rede social mais popular do mundo com mais de 1,2 bilhão de usuários, não revela quantos datacenters tem no mundo, mas não há nenhum na América Latina. “O armazenamento de dados é um desafio enorme e essencialmente técnico. Uma exigência como essa frustrará a inovação e criará barreiras desnecessárias para empresas nascentes”, informou o Facebook, em comunicado.
Constituição da web
O Marco Civil da internet, em discussão há dois anos, estabelece os direitos e deveres dos usuários da rede no Brasil e foi criado pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça em parceria com o Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV). Além da proteção à privacidade dos internautas, ele define regras para outros temas polêmicos, como liberdade de expressão na web e garantia da neutralidade da rede .
Além do Brasil, a exigência de armazenamento local de dados também é discutida em outros países, porém para tipos específicos de dados pessoais dos internautas. De acordo com o Comitê Gestor da Internet (CGI), a Austrália tem projetos para exigência de armazenamento de dados de saúde localmente e a Coreia do Sul exige o armazenamento de dados de transações financeiras no território coreano.
Ascom Anid (Com informações do IG Brasil)
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