Seja nas grandes festas de época ou em um simples arrasta-pé, a sanfona aparece como destaque do trio musical mais popular do Nordeste, ao lado da zabumba e do triângulo.
A sanfona foi criada há muito tempo, do outro lado do mundo.
Os registros históricos relatam o aparecimento de um instrumento na China, chamado cheng, 2.700 anos antes de Cristo, como o precursor da sanfona.
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Mas foi na Europa, especialmente na Itália, a partir do século 17, que ela se modernizou, passando por várias transformações até chegar nos moldes que conhecemos hoje.
No Brasil, a história da sanfona se confunde com a cultura da nossa música popular em várias regiões. Ela se consagrou nas mãos de grandes músicos, da gaita de Renato Borghetti, aos inesquecíveis Mário Zan, Sivuca, Hermeto Pascoal, Dominguinhos e Luiz Gonzaga. O talento desses grandes artistas influencia até hoje gente simples, que ainda não viu seu nome despontar nas paradas de sucesso.
Manuel Dantas é o retrato típico de um agricultor nordestino. Tem uma pequena propriedade no município de Parelhas, no Rio Grande do Norte, onde cria as cabras que ajudam no sustento da família. “O nordestino é um guerreiro para sobreviver em uma região seca, onde não chove. Pra se divertir, o nordestino tem a sanfona, né? A sanfona que é o símbolo cultural do Nordeste”, comenta Manuel Dantas, agricultor
Manuel tem um grupo de forró pé de serra. Com um cachê modesto, Manuel vem conseguindo realizar seu sonho de tocar sanfona e também continua tocando a vida no sítio.
No município de Jardim do Seridó vive José Amazan Silva, um sanfoneiro famoso no Nordeste. Com 25 anos de carreira, trinta CDs gravados e quatro DVDs. “A partir dos oito anos de idade eu já estava aqui nesses caminhos no Seridó, com minha mãe, em busca da sobrevivência”, conta.
O talento de Amazan fez com que ele deixasse para trás o trabalho duro na caatinga para assumir os palcos com sua sanfona. “Eu sobrevivia carregando lenha. Não era uma vida fácil, a gente tinha as mãos calejadas da foice, do machado e das furadas do espinho da jurema”, diz.
Foi por acaso que a sanfona entrou na vida do Amazan, quando ele tinha 16 anos. “Um primo meu veio ficar lá em casa uns dias e trouxe uma sanfoninha velha. Quando ele saiu, eu peguei escondido e comecei catucando nas teclas. Com três dias, eu fiz uma introdução, por isso acharam que eu tinha talento”, afirma.
Dizem os músicos mais experientes que para uma pessoa tocar sanfona, são necessários no mínimo oito meses de muita dedicação. Agora, para passar de tocador a sanfoneiro, desses arretados que animam bailes e forró no Nordeste, é preciso mais de ano, e claro que talento nessa hora conta muito.
Talento, Amazan tem de sobra. Com apenas três meses “catucando” nas teclas da sanfona, já tinha espaço nas festas de Jardim de Seridó e região. “Pra mim a sanfona é tudo, né? Uma companheira, um meio de sobrevivência que me deu oportunidade de melhorar um pouquinho de vida. A sanfona, não tenha dúvida, é a deusa da música pro nordestino”, diz.
A relação de Amazan com a sanfona é tão forte que ele não ficou satisfeito apenas em ganhar os palcos tocando o instrumento. Decidiu dar vida a elas, por isso, montou uma das quatro fábricas existentes hoje no Brasil, no município de Campina Grande, no estado da Paraíba.
“Uma vez eu consertei a sanfona de um amigo, que me deu a ideia: ‘você devia colocar uma fábrica de sanfona’. Então eu já cheguei aqui determinado a colocar essa fábrica de sanfona e aí comecei a ver como é que eu poderia fazer. Procurei matéria prima aqui no Brasil e não encontrei. Aí eu fui ao velho mundo, a Itália, com o propósito de trazer a tecnologia pra montar a fábrica de acordeons”, conta.
Ele fez algumas adaptações. “Aqui eu usei um tecido que é usado em guarda-chuva, ele não absorve o suor. Os que são feitos lá são de veludo. Em duas festas já ficaria ensopado e evidentemente com um cheiro desagradável”, diz.
Por fora, a sanfona é composta basicamente por três partes: o teclado, responsável pela melodia das músicas. O fole, que no movimento de abre e fecha do braço puxa e sopra o ar para a saída das notas. E o baixo, com o som mais grave, que faz a marcação nas composições.
Por dentro, a sanfona é muito mais complexa. É na marcenaria que ela começa a ganhar forma. Um trabalho que Janio Montenegro nem imaginava fazer um dia... “Eu já trabalhava com marcenaria, mas fazia esquadria portas e janelas, coisas assim. Em dois meses, eu tive que aprender quase tudo”, diz o marceneiro.
Aos poucos, a madeira vai ganhando o jeito do instrumento, um mecanismo super complexo. Veneziano Barbosa Filho já fez um pouco de tudo acompanhando a carreira de Amazan, e agora é um dos encarregados da montagem do teclado. “É um instrumento muito artesanal. Nenhum é igual ao outro, todos têm diferenças”, afirma o marceneiro.
Com tantos detalhes, uma sanfona sofisticada como a que Amazan toca, custa em torno de R$ 17 mil. A fábrica de sanfonas fica em um lugar particular. Amazan desativou uma criação de ovelhas que tinha para dar início ao seu projeto empresarial. Onde armazenava a forrageira pro rebanho, hoje funciona a sala de afinação. O berro dos animais deu lugar às notas musicais.
Saraiva Luiz é flautista, saxofonista e na fábrica é afinador de sanfona. Um trabalho que exige um ouvido pra lá de preciso e muita paciência. “Leva uns cinco dias para afinar uma sanfona. São três dias para o teclado e dois dias para o baixo. É um instrumento complexo, você tem que ter o material pra afiná-lo e tem que ter um bom ouvido também”, explica.
Um instrumento bem afinado nas mãos de um maestro como Edgar Miguel só pode dar boa música. Respeitado no meio artístico, o maestro também é professor e estudioso no assunto. Ele mostrou em entrevista ao Globo Rural, um fole de oito baixos, instrumento menor, mas que deu grande contribuição para a sanfona atual.
“É um instrumento mais simples dos instrumentos de fole, porém muito difícil, muito complexo no seu modo de execução. A sanfona herdou tudo dele, porque só se substituiu os botões pelas teclas, aumentou-se a baixaria, chegando a 120 baixos. Essa foi uma grande evolução, porque virou uma orquestra, chegando a ser chamada de piano de peito ou orquestra de peito”, declara Edgar Miguel.
Segundo o maestro, por essa característica de um instrumento completo, a sanfona foi fundamental para o grande impulso da cultura popular nordestina. “Não tem como o brasileiro se livrar da sanfona e principalmente nós, nordestinos, que temos aqui uma leva de história como Dominguinhos, Luiz Gonzaga, Pito do Acordeon, e o sucesso da música nordestina dentro da música brasileira, é nosso”, afirma.
E assim, pessoas de todas as idades mantêm a tradição de tocar esse que é um dos símbolos do nordeste brasileiro. Músicas como Asa Branca, se tornaram grandes sucessos pelo Brasil afora graças ao talento dos compositores e sanfoneiros nordestinos.
Globo Rural
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