Arnaldo Malheiros Filho e José Carlos Dias
A OAB não deve punir a advocacia pro bono. Não há ética que se fira com o bem feito a quem precisa, e ainda sem nenhum custo ao Estado
A advocacia é uma profissão. Quem a exerce tem direito a ser remunerado, através de honorários. Ela não oferece nenhuma garantia financeira ao profissional que, em contrapartida, goza de total independência em seu ministério.
Muitos advogados, com sua independência, decidem não cobrar honorários de certos constituintes que, a seu ver, não têm condições de pagar honorários no padrão em que estão habituados a receber.
Há cerca de dez anos, a seccional paulista da OAB editou uma resolução em que, incorporando o chamado "anglicismo em latim" (não é caso único), tratou do que chama de "advocacia pro bono", fixando uma série de condições para que ela se exercesse, criando impedimentos sem previsão legal, extrapolando sua esfera de atuação.
Tudo para atender à numerosa massa dos chamados "conveniados", advogados que aceitam nomeação para o patrocínio de necessitados, cobrando por isso do Estado, de acordo com uma tabela.
Isso não impede, obviamente, que quem quiser advogar sem cobrar assim o faça. Mas os conveniados pressionam a entidade dizendo que isso é "concorrência desleal" e lhes subtrai "mercado". E a OAB, dada a expressividade eleitoral do grupo, encampa o raciocínio. Curioso que uma instituição tão preocupada, já no Estatuto e Código de Ética, em vedar "características mercantis" na profissão, use os termos acima, tão desse naipe.
O tribunal de ética vem decidindo que pessoas físicas necessitadas só podem contar com patrocínio que custe ao Estado, não que lhe poupe algo, ainda que ínfimo, pois "pode ser interpretado como benemerência travestida de captação de clientela" (quis-se dizer o contrário, por certo). Atender sem cobrar seria antiético.
A captação de clientela, a despeito de amiudada nos diversos patamares da profissão, é infração grave, que merece punição. Não porém a atitude de quem se propõe a advogar de graça, pois aí não há "cliente" (já que nada paga), mas "constituinte", com direito ao mesmo zelo e empenho que o advogado devota a suas causas remuneradas.
É sim possível captar clientela através da advocacia gratuita, especialmente quando o profissional se jacta disso em público ou se arroga o direito de "julgar" seus assistidos, a ver se a causa vale seu investimento. A ordem deve é punir a captação, não a mera atuação benigna. Não há ética que se fira com o bem feito a quem precisa.
A única autoridade pública com poder legal de saber do advogado quanto ganha é a Receita Federal, mas somente se ganha. Do contrário, satisfações não são devidas.
O Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) adotou um modelo e convida outras instituições a segui-lo, especialmente para atender aos necessitados em questões cíveis.
Através de acordo firmado com a Defensoria Pública, que não custa um centavo ao erário, ela lhe encaminha uma cota mensal de casos de plenário de júri. O instituto recruta entre seus membros colegas que queiram prestar essa contribuição, obviamente sob controle de qualidade da defensoria.
Com isso, nenhum advogado se vangloria de trabalhar de graça; não recebe carentes que o procurem, é a defensoria quem escolhe os casos; não julga os assistidos, dando vida ao propósito maior do IDDD, a proclamação de que defesa é direito inalienável de todo cidadão, inocente ou culpado. Não há captação de clientela e, pois, qualquer impedimento ético na atuação voluntária.
Sorte teve o assistido do bom samaritano, pois este não conhecia tal "ética".
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