Ramalho Leite
A rebelião organizada contra o poder chefiado por João Pessoa terminou por tornar Princesa uma urbe independente. José Pereira Lima, deputado e coronel da guarda nacional, assinou decreto instituindo o Território Livre de Princesa. A partir daí, estava desligado do poder estadual e recebendo apoio do poder central, via Pernambuco, através dos Pessoas de Queiroz que, mesmo parentes de João Pessoa, eram seus adversários políticos. Essa história todo mundo já sabe, mas haverá sempre quem a conte com outros olhos e de forma agradável, de modo a esquecer a fome, o sangue e as mortes que resultaram nessa empreitada nascida de um mero rompimento político, entre um sóba de aldeia e o mandatário do Estado.
O jornalista Tião Lucena que já nos brindara com Peste e Cobiça, tendo como cenário a cidade de Princesa Isabel, volta ao seu berço para, com as tintas da sua irreverência e poder de síntese, contar a saga de Zé Pereira e seus seguidores, no enfrentamento das forças policiais, desguarnecidas de munição, armas modernas e alimentação decente. Os que dominavam Princesa, ao contrário, estavam gordos e fagueiros, pois eram alimentados do bom e do melhor pelo seu comandante-em-chefe, ajudado pelos aliados do estado vizinho.
As forças poderosas de Zé Pereira impediam o acesso à sua cidadela por terra. Quem se aproximou foi rechaçado por guerrilheiros camuflados em um terreno que conheciam com a palma da mão. O governo da Paraíba mudou de estratégia e adquiriu um pequeno avião para aterrorizar Princesa pelo ar. O primeiro veículo fracassou na sua tentativa de levantar vôo do Piancó, onde chegou aos pedaços em cima de um caminhão.O piloto, um italiano, morreu por lá, de doença inexplicada, e ficou para sempre no solo sertanejo. A segunda compra foi um téco-téco denominado de “Garoto”, tendo no manche um piloto da força publica de São Paulo que, burlando a vigilância no Recife, aportou no Piancó, conforme prometido.
João Lelis em A Campanha de Princesa, diz que “o avião das forças repressoras, o “Garoto”, é misto de alegria delirante e rancor entusiástico, porque, conforme o dizer do seu comandante,”quase toda a tropa vivia descrente do anunciado aparecimento do avião”. Depois de sobrevoar as linhas desse setor (Cajueiro) ruma a Tavares, via Alagoa Nova (Manaíra).E durante rápidas evoluções sobre as posições da Coluna Norte, o “Garoto” foi alvo de nutridos tiroteios do inimigo,que dispara os seus rifles e fuzis,desadoradamente”.
Dorgival Terceiro Neto em Paraíba de Ontem, conta que “o avião foi usado a principio para sobrevoar Princesa, distribuindo boletins que anunciavam bombardeio se os rebeldes não se rendessem. Foi um dia de festa na cidade.Os homens do coronel Zé Pereira fizeram pontaria contra o “Garoto”, atirando com rifles e fuzis. Por pouco a aeronave não foi atingida”. E conclui que o avião foi atirar de cima para baixo e terminou alvejado de baixo para cima.
Tião Lucena, dá a sua versão: “O avião alcançou as primeiras ruas de Princesa com o sol nascendo.A reação da cidade foi diversa.Teve quem dividisse espaço com os penicos debaixo das camas, mas também surgiram os valentes que saíram pelas ruas atirando no invasor, só não acertando porque o piloto, vendo o perigo, subiu acima de três mil pés para ficar fora do alcance das balas.O negro Zacarias, que morava em Jericó e estava em Princesa atraído pela curiosidade de ver o avião, chorava na calçada da farmácia de Zé Frazão: “Bem que minha mãe disse que eu não viesse!” Já o Major Feliciano Florêncio, na certa um ascendente de Tião, quando atirou no “bicho” e de lá jogaram um punhado de boletins, exclamou: “Acertei nas penas”.
A guerra de Princesa esmoreceu depois da morte de João Pessoa. O coronel Zé Pereira ensarilhou as armas e foi correr o mundo, pois na Paraíba seu futuro era incerto. Decorridos mais de oitenta anos desses acontecimentos, muita informação ainda ficou perdida pelas caatingas do sertão. Tião Lucena tenta resgatar parte dessa história.
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