A sessão especial desta sexta-feira (18/10) na ALPB trouxe ao conhecimento público diversas denúncias de perseguição, tortura, assassinato e desaparecimento de corpos durante as duas décadas em que vigorou a Ditadura Militar no Brasil, e mesmo nos anos que a precederam. Num momento histórico para a Casa, com um plenário lotado, formado por militantes políticos, trabalhadores da limpeza urbana e estudantes secundaristas, foram homenageados, a partir da propositura do deputado estadual Anísio Maia (PT), dez militantes que resistiram ao golpe militar de 1964, à repressão do regime e à força do latifúndio.
A professora e militante Paula Frassinete apresentou uma breve biografia de João Pedro Teixeira, Pedro Inácio de Araújo (Pedro Fazendeiro), João Alfredo Dias (Nego Fuba), Margarida Maria Alves, Umberto Câmara Neto, João Roberto Borges de Souza (todos paraibanos), Emmanuel Bezerra dos Santos (potiguar), Gregório Lourenço Bezerra (pernambucano), Manoel Lisboa de Moura (alagoano) e Carlos Marighella (baiano). Em seguida, falaram os presentes à mesa.
Anísio Maia justificou a realização da sessão afirmando que o que aconteceu no Brasil, a partir do dia 01 de abril de 1964, foi uma sucessão de arbitrariedades, de atos ilegais e ilegítimos. “Durante 20 anos, não tivemos presidente em nosso País, mas sim um ditador de plantão, que governava à base da força, sem ter recebido um único voto popular. O Governo dos EUA e as elites brasileiras preparam um golpe de Estado para barrar o processo democrático que se desenrolava aqui, com importantes reformas de base, a exemplo da reforma agrária, e entregaram tudo aos grandes interesses privados nacionais e internacionais”.
O professor Paulo Giovani, presidente da Comissão Estadual da Verdade e Preservação da Memória, fez um relato das atividades que vêm sendo desenvolvidas, como a pesquisa documental e a coleta de depoimentos por meio de audiências públicas, e anunciou que foi solicitada à Comissão Nacional da Verdade que convoque para depor alguns torturadores e agentes da repressão paraibanos, a exemplo do major Cordeiro, responsável pelas mortes de Pedro Fazendeiro e Nego Fuba, logo após estes serem libertados da cadeia.
Edival Nunes Cajá, paraibano radicado em Recife, saudou o público em nome do Partido Comunista Revolucionário (PCR) e da articulação nacional de Comitês Memória, Verdade e Justiça. “O PCR, ao ser fundado em 1966, já tinha por objetivo a derrubada da Ditadura Militar e a construção de uma Revolução Socialista no Brasil. Por isso, já esperávamos ser alvo de uma forte repressão, mas eles nos atacaram, e a todas as outras organizações, de uma forma muito baixa. Até mesmo numa guerra existem tratados para reger as relações entre as partes conflitantes e, uma das normas internacionais consagradas é a garantia de que os corpos dos que tombaram sejam entregues aos seus para que se dê um sepultamento digno. Não foi o que aconteceu. Até hoje, dos mais de 500 mortos daquele período, 153 corpos continuam desaparecidos. Com certeza, para estas 153 famílias a Ditadura ainda não acabou.
Precisamos ampliar esta e outras denúncias e lutar para que os responsáveis por estes crimes sejam efetivamente punidos e postos na cadeia”. Cajá representou, na ocasião, os dirigentes do PCR assassinados, lembrando que, no último mês de setembro, completaram-se 40 anos do assassinato de Manoel Lisboa, Emmanuel Bezerra e Manoel Aleixo.
José Calistrato, representando o Comitê Paraibano Memória, Verdade e Justiça, falou de sua experiência na resistência armada à Ditadura Militar e ressaltou a trajetória de Carlos Marighella, um dos homenageados, fundador e principal dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN). Também fizeram pronunciamentos Alexandre Guedes, militante dos direitos humanos, representando a OAB, Graça Rezende, vereadora de Cabedelo, Fernando Ribeiro, filho de Antônio Bolinha, prefeito cassado de Rio Tinto pelo golpe de 1964, e Antônio Augusto de Almeida, militante comunista histórico, que atuou diretamente nas Ligas Camponesas da Paraíba. Falando sobre João Alfredo, Antônio Augusto afirmou que, apesar de sua origem humilde como camponês e sapateiro, “era um militante de conteúdo ideológico muito forte, ao ponto de ter me dito na cadeia a seguinte frase: eles não vão conseguir girar a roda da história para trás”.
Representando as famílias dos homenageados, dois importantes depoimentos foram dados e agora estão registrados nos anais da ALPB: Náugea Maria Araújo, filha de Pedro Fazendeiro, e Fernando Borges, irmão de João Roberto Borges de Souza.
Náugea conseguiu emocionar a todos contando detalhes da última visita que fez a seu pai no 15º Regimento de Infantaria do Exército, em João Pessoa, e de como a família passou também a ser discriminada e perseguida ao longo de vários anos após a morte de Pedro Fazendeiro, finalizando com um forte apelo ao representante da Comissão Estadual da Verdade: “A única coisa que peço é que ajudem nossa família a dar um enterro digno a meu pai”.
Já Fernando Borges agradeceu bastante à homenagem a seu irmão, ressaltando que a ALPB se somava a outras duas homenagens feitas recentemente, pois o auditório da Reitoria da UFCG (que se chamava Gillardo Martins, reitor que perseguiu estudantes) e uma praça em Cabedelo (que se chamava Garrastazu Médici) agora levam o nome de João Roberto Borges de Souza.
Encerrando a sessão, Anísio Maia reafirmou seu compromisso com a luta pela memória, verdade e justiça, relembrando fatos do início de sua militância no PCR na resistência à Ditadura, como a convivência com Manoel Lisboa e as denúncias que eram feitas para desgastar o regime. “Nos chamavam de terroristas, mas terroristas eram eles, que deram um golpe de Estado para derrubar o presidente eleito e praticavam de todo tipo de mentiras e crimes, a exemplo de um dos chefes da tortura no País, Sérgio Paranhos Fleury, o mais sujo, mais imundo, um psicopata que tinha prazer em torturar pessoalmente os presos. Muitos militantes foram torturados até a morte e depois geralmente era inventada a versão de que haviam sido mortos num tiroteio com a Polícia, tudo com a conivência da grande imprensa. Vamos seguir firmes nesta luta para, de fato, viramos esta página da nossa história”.
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