quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Uma história viva do comércio de Itaporanga


A história de uma cidade pode ser contada pelo que ela consome. E ninguém melhor do que um homem que está há quase meio século no comércio para revelar essa história.

Em 1961, quando José Pereira Alves, que se popularizou como Zé de Amâncio, em razão do nome do pai, montou sua bodega na Rua Argemiro de Figueiredo, onde funciona até hoje, os produtos que mais saíam era querosene, lenha, carvão, açúcar, sal e café cru.

O querosene, a lenha e o carvão explicam bem a Itaporanga de 50 anos atrás: a cidade ainda não tinha luz elétrica, e apenas o centro era iluminado durante algumas poucas horas da noite graças a um gerador. A maior parte das residências locais tinha que se valer do candeeiro.

Fogão à gás também era um privilégio de poucos: a maioria dositaporanguenses da época tinha que cozinhar à lenha ou a carvão.

Sem muita opção alimentícia no comércio da época, toda alimentação do itaporanguense era feita em casa: do café da manhã ao jantar. Por isso, o açúcar e o sal eram fundamentais e muito requisitados, assim também como o café, a bebida mais consumida em um tempo em que o suco e o refrigerante ainda não faziam parte da mesa do cidadão local.

Entre os cosméticos, o leite de rosas e as colônias Parisienses e Gellus eram os mais procurados. Com o avanço da tecnologia, a cidade recebe a energia elétrica, surgem os eletrodomésticos e os hábitos de consumo do itaporanguense começam a mudar. Mudanças que José de Amâncio ajudou a construir, abrindo as portas do seu comércio para cada novidade que aparecia, mas nas suas prateleiras o novo e o velho encontravam-se: um sortimento completo como ainda é hoje. “Eu vendia de tudo”, diz.

E assim Zé de Amâncio tornou-se um comerciante bemsucedido, mas, em princípio, poucos acreditaram que o agricultor daria certo como comerciante, a começar pelos seus próprios pais. “Quando eu disse que ia para a cidade montar um comércio, meu pai achou que não dava certo, mas eu estava decidido e resolvi enfrentar”, conta ele, que já tinha a experiência de uma pequena venda no sítio Jenipapo, onde residia, mas o que determinou seu êxodo foi a pouca rentabilidade da agricultura.

Recém-casado e consciente de que dificilmente conseguiria sustentar a família trabalhando na roça, devido ao fracasso da agricultura de subsistência por causa das secas constantes e do avanço da criação de gado bovino. “O que me deixou mais desiludido com a agricultura foi porque os proprietários de terra da época só se preocupavam com sua criação de gado, havia ano que a gente perdia o tempo da planta porque os animais demoravam a ser retirados da roça, e nem bem a gente fazia a colheita e o gado era solto dentro do roçado para pastar”, explica.

O local que Zé de Amâncio alugou para montar o seu comércio era bem próximo do maior comerciante da região na época, mas ele não se preocupou em concorrer com Chico Pinto, e quando abriu as portas de sua bodega no final do primeiro ano da década de 60, não parou mais de vender, e sua clientela foi crescendo a cada dia. O negócio foi tão virtuoso que em pouco tempo seu comércio tornou-se um dos mais movimentados de Itaporanga.

O homem que começou sem dinheiro suficiente para surtir o pequeno comércio e na incerteza de que o apurado daria, pelo menos, para pagar o aluguel, em menos de seis anos já era dono do prédio que locara para abrigar seu estabelecimento comercial. E no comércio, Zé de Amâncio popularizou-se, criou os sete filhos, um dos quais adotivos, e ganhou notabilidade social pela sua honestidade e boa relação com seus clientes e fornecedores, um dos quais o próprio Chico Pinto, que, de concorrente, tornou-se um dos seus grandes parceiros.

Em um tempo em que a renda do algodão garantia ao sertanejo do Vale um bom poder aquisitivo, Zé de Amâncio foi um dos líderes em vendas por mais de 30 anos, até o começo da década 90, quando começam a surgir os mercadinhos, e, apesar da concorrência, continuou vendendo bem. Mesmo nos períodos de seca, seu comércio nunca sofreu grandes abalos graças ao dinheiro das Frentes de Trabalho, criadas pelo poder público para socorrer as vítimas da estiagem.

Há seis anos, Zé de Amâncio aposentou-se, transferiu o comércio para os cuidados de uma filha, mas não deixou de freqüentar a venda que foi transformada em um mercadinho, e continua em atividade, embora limitadamente em função da idade: nesses últimos 47 anos, nunca deixou de estar em seu comércio um único dia.

Lá é onde eu posso reencontrar meus conhecidos, conversar com os amigos e me distrair”, comenta seu Zé de Amâncio, que já há algum tempo é viúvo e fará 78 anos no dia 25 de março de 2009.
jornal Folha do Vale - ed 140

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