quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Arroz Vermelho: patrimônio alimentar genético e cultural

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Brasil e Portugal partilharam suas receitas e ingredientes, gerando uma cozinha nacional, que influenciou culturas regionais. É o caso do Arroz Vermelho. Trazido pelos portugueses em 1535, este foi o primeiro tipo de arroz a chegar no Brasil, pela capitania de Ilhéus (Bahia). Nesta região, não obteve muito êxito. Somente nos séculos XVI e XVII teve boa aceitação no Maranhão. Mas por volta de 1765 chegou o arroz branco. E, em 1772, a Coroa de Portugal proibiu a plantação do arroz vermelho na região para dar lugar ao branco, consumido pela metrópole.

Daí em diante, o cultivo do vermelho migrou para a região semi-árida, onde ainda é encontrado, principalmente, no estado da Paraíba. Conhecido também como arroz-da-terra e arroz de Veneza, o Vale do Piancó, em Santana dos Garrotes - composto por 21 cidades, no Alto Sertão Paraibano - é o refúgio deste alimento, concentrando a maior área plantada do país. Cultivado predominantemente por pequenos agricultores, como lavoura de subsistência e sem o uso de qualquer tecnologia, esse cereal pode ser considerado um produto ecologicamente limpo, pois nunca recebeu qualquer tratamento com agrotóxicos. Os sistemas de cultivo praticados até hoje são bastante rudimentares e apresentam baixos níveis de produtividade. Outros estados que cultivam este tipo de arroz são: Rio Grande do Norte, Pernambuco, Ceará, Bahia e Alagoas.

O arroz vermelho (Oryza sativa L.) é considerado um dos principais alimentos da dieta nordestina, sendo a base de diversos pratos da culinária regional como Arrubacão, à base de feijão-de-corda e queijo coalho; baião de dois; arroz de leite com carne de sol, sopa de arroz, entre outros. “Trata-se de um alimento altamente saboroso e consumido por todas as classes sociais. O mercado é muito grande e a produção ainda é pequena", explica o pesquisador José Almeida Pereira (Embrapa Meio-Norte), autor do livro “O Arroz Vermelho Cultivado no Brasil”.

O presidente da Associação dos Pequenos Produtores de Arroz Vermelho, José Soares Filho, explica que foi necessário organizar o grupo para proteger o produto e agregar valor. Para isso, contou com a ajuda da Embrapa Meio-Norte e do movimento Slow Food, que incluiu o cereal na lista de suas Fortalezas, a fim de dar suporte a esses agricultores, melhorar as condições de trabalho para o arroz colhido e criar uma marca e embalagem para introduzir o produto em mercados diferenciados. “A gente sofre muito com os atravessadores e a distribuição é aleatória. A maior dificuldade é a questão de mercado, além das exigências de selo e certificação”, conta Soares, dizendo que o custo da saca do arroz chega a R$ 60,00 kg, encarecendo o produto para o consumidor final. O vermelho pode custar até o dobro do arroz branco.

Com o apoio destas organizações, a associação tem planos de aumentar a área cultivada, que está em torno de 5 mil hectares por ano e obter financiamento para investir na produção. “Esse produto regional, na verdade, é uma fortaleza que vai ajudar muito o agricultor familiar. Nós acreditamos que 90% do município vive totalmente do plantio do arroz, feijão e milho”, explica o líder. De acordo com José Soares, o alimento é utilizado para garantir o leite materno ou substituir, quando este falta. Ele conta, inclusive, que seu neto sobreviveu graças à sopa de arroz que dá sustância. “É um produto muito nutritivo pelas receitas e experiências que temos através dos nossos pais e avós”.

Para José Almeida, o cereal é um patrimônio genético alimentar e cultural do semi-árido. Por isso, é importante preservar sua variabilidade genética, de modo a manter a qualidade do alimento e promover seu melhoramento.

Para conter o processo acelerado de extinção frente a forte concorrência da indústria do arroz branco, a solução é divulgar o produto neste nicho. Almeida destaca que a publicação do livro sobre o tema e o apoio do Slow Food têm colaborado para divulgar o arroz avermelhado

O principal mercado é o nacional, focando os grandes centros onde vivem migrantes nordestinos: Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Os chefs de cozinha e restaurantes podem dar um bom tempero nesta empreitada. Alguns restaurantes de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro utilizam o arroz em suas preparações. No Rio, a chef Teresa Corção (O Navegador) e Margarida Nogueira promovem eventos e festivais com este ingrediente.

As pesquisas quanto ao valor nutricional estão no início, mas dados preliminares apontam para uma superioridade nutricional de ferro e zinco em relação ao arroz branco e integral. De acordo com a pesquisadora Priscila Zaczuk, da Embrapa Arroz e Feijão (Goiás), os primeiros resultados foram apresentados neste mês de novembro. A pesquisa faz parte do programa de Biofortificação, que realizou a primeira abordagem de algumas linhagens do arroz vermelho. Por ser parcialmente polido, ele retém maior número de nutrientes.

A quantidade de ferro encontrada no arroz vermelho corresponde de 12 a 9 (miligrama/Kg), enquanto no branco varia de 2,5 a 5. Já o zinco apresenta valores entre 26 e 33, no vermelho; e no branco de 10 a 18. Esses dados são referentes a quantidade no grão. O integral foi o que apresentou maior estabilidade, porém, números inferior ao vermelho. O ferro está entre 10 a 11; e o zinco entre 20 e 21. Priscila explica que ainda é necessário fazer novos estudos para saber quanto destes nutrientes ficam disponíveis no organismo. A pesquisadora aguarda financiamento para prosseguir com análises sobre outras propriedades nutricionais. “O consumidor prefere o arroz vermelho pelo sabor, porque as informações nutricionais são recentes”, explica Almeida.

A preservação deste patrimônio alimentar – pouco conhecido no país, assim como diversos ingredientes da biodiversidade alimentar necessita de uma política de salvaguarda para evitar sua extinção. Por isso, há um esforço conjunto entre os pequenos produtores, organizações não

governamentais e entidades federais para estimular o cultivo do arroz vermelho. A participação dos chefs de cozinha neste processo é fundamental para extrair o valor deste ingrediente na culinária e influenciar o consumo em restaurantes e, conseqüentemente, na mesa do brasileiro. O desafio de alimentos como estes é sair da categoria de exótico e entrar na lista das iguarias nacionais, acervo de ingredientes nobres. E, assim, a gastronomia brasileira poderá se destacar com sabores, extraídos de territórios regionais únicos, como o semi-árido.

Associação dos pequenos produtores de Arroz Vermelho de Santana dos Garrotes
(83) 3485-1080 3485-1245 9967-0357

Equipe Malagueta
Texto:
Juliana Dias
Fotografia e edição: Carolina Amorim
Revisão: Flávia Lobo

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2 comentários:

Excelente!
Aprendi o valor do arroz da terra, na Paraíba é denominado assim, na minha infância.Era feito com leite de vaca e comía-se com carne de sol assada.Deliciosas memórias!
Hoje,com a Fortaleza do Vale do Piancó na Paraíba mantida pelo Slow Food, ele vem ganhando prestígio como arroz vermelho nas mãos de grandes chefs.
Fico feliz.
Meu blog é http//aparaibatem.blogspot.com e www.vilacariri.com.br/blog

experimentei este arroz e tbm o arroz preto, acho que este assunto deveria ser mais explorado e explicado p/a população pois é um prato saudável acompanhado de um mix de saladas verdes então fica melhor ainda.

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